A história do Mês da Bíblia, que completa 50 anos neste setembro, emociona de modo ainda mais especial a Irmã Zuleica Silvano, assessora do Serviço de Animação Bíblica (SAB/Paulinas). Irmã Zuleica é uma das organizadoras do Livro “50 anos do Mês da Bíblia: memória, desafios e perspectivas”, lançado pelas Irmãs Paulinas. “Meu envolvimento maior foi na organização do livro que celebra os 50 anos do Mês da Bíblia. Foi uma linda experiência de resgate da história, de agradecer a todas as pessoas que participaram dessa trajetória bíblica.” A religiosa ainda acrescenta: “O livro apresenta os desafios e as perspectivas da Animação Bíblica da vida e da ação evangelizadora no Brasil”, destaca. Nesta entrevista, Irmã Zuleica rememora a história e a importância do Mês da Bíblia na Igreja no Brasil. Também reflete sobre os desafios em relação à leitura bíblica, partilhando orientações sobre como fazer uma adequada leitura da Palavra de Deus.
Irmã Zuleica conta que, em 1971, dom João Resende Costa, segundo arcebispo de Belo Horizonte, enviou uma carta pedindo sugestões para comemorar o cinquentenário da Arquidiocese de Belo Horizonte. A comunidade das Paulinas na Capital Mineira sugeriu um mês de aprofundamento sobre a Bíblia e convidou a Irmã Neli Manfio, que residia na Bahia, e que já tinha uma pequena experiência com um movimento bíblico desenvolvido na Arquidiocese de Salvador, para elaborar um projeto de um Mês Bíblico. A Irmã Neli e a Irmã Eugênia Pandolfo, superiora da comunidade de Belo Horizonte, apresentaram por escrito a dom João a proposta, que foi acolhida. O evento envolveu todos os segmentos da Arquidiocese – paróquias, colégios, meios de comunicação. Nos anos seguintes, o Mês Bíblico foi assumido pelo Regional Leste II da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que englobava Minas Gerais e Espírito Santo. Em 1985, com o Serviço de Animação Bíblica (SAB) – que era um convênio com quatro instituições – e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a celebração do Mês da Bíblia tornou-se nacional. O mês de setembro foi escolhido porque no dia 30 é especialmente recordado São Jerônimo, tradutor dos textos bíblicos escritos em grego e hebraico para o latim, a chamada Vulgata, com a colaboração de algumas mulheres.
Irmã Zuleica explica que o Mês da Bíblia também é resposta ao Concílio Vaticano II que, com a constituição Dei Verbum, dedica reflexão sobre a Bíblia na vida da Igreja, exortando a Igreja a criar formas, atividades, iniciativa para que todos pudessem se aproximar da Bíblia, por meio de publicações populares e de traduções nas diferentes línguas. Depois, o Mês da Bíblia ajudou a despertar e incentivar os círculos bíblicos e a formação das pequenas comunidades que aprofundavam os estudos e a vivência das Sagradas Escrituras – como as Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s). “Acredito que as atividades, os subsídios e os livros sobre os temas bíblicos escolhidos para essa atividade também contribuíram para o aprofundamento e para a formação bíblica do cristão de modo permanente”, diz.
Mês da Bíblia de 2021
Este ano, o mês da Bíblia tem como temática a Carta aos Gálatas e o lema: “Pois todos vós sois UM só em Cristo Jesus” (Gl 3,28d). A Irmã destaca que a Carta aos Gálatas é uma espécie de cartilha para os cristãos, apresentando o que é fundamental para o seguimento de Jesus, a universalidade da redenção, a importância da sinodalidade (Gl 2,1-10) e o que significa acreditar que Jesus é o Messias – Filho de Deus, além de retomar a importância do batismo e de suas consequências para os cristãos. Outro elemento fundamental é a presença do Espírito Santo – aquele que nos configura, nos molda conforme a Cristo, a ponto de podermos dizer, como Paulo: “Vivo, mas não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim”, e de recuperar essa dimensão ética do Espírito Santo.
Sobre o tema escolhido – além de nos ajudar a resgatar a grandeza de nosso batismo, nos ajuda a aprofundar a comunhão com Deus e também com nossos irmãos, de forma especial com aqueles e aquelas que mais necessitam.
Leitura Orante da Palavra de Deus com a família
É necessário considerar vários fatores, como a estrutura das famílias, para a vivencia qualificada da Leitura Orante da Palavra de Deus. Algumas vezes há várias religiões na mesma casa. Também é preciso considerar a idade dos filhos e a rotina da família. Se é uma família católica, pode -se acompanhar as várias formas de meditação da Palavra nos vários aplicativos que têm essa finalidade, a exemplo do aplicativo da Arquidiocese de Belo Horizonte – “O Palavra se fez Carne”; há também o “Comece o dia feliz”, das Paulinas, o Grupo de reflexão São Jerônimo, o programa Leitura Orante, na TV Horizonte, e juntos meditar a Palavra. Também existem publicações para as crianças que trazem as narrativas sobre a vida de Jesus, que além de estimular a leitura, vai alimentando a mente e coração com valores evangélicos.
Há também filmes, desenhos animados para as crianças, com alguns textos ou personagens bíblicos. Existem várias iniciativas para os jovens e adolescentes. Dependendo da idade dos filhos, a família pode apresentar os Evangelhos, os ensinamentos de Jesus, assistindo a um filme, que não precisa ser necessariamente sobre a Bíblia, lendo um livro, ouvindo uma música, participando de exposições e testemunhando a fé com a própria vida – porque o exemplo marca a vida das crianças, dos jovens e adolescentes.
Além disso, os filhos podem participar de grupo de jovens, da catequese de iniciação, da crisma, assim a família pode aproveitar essas oportunidades para incentivar a leitura da Palavra de Deus. Também pode participar de círculos bíblicos nas pequenas comunidades.
Desafios e dicas para leitura bíblica
O maior problema que estamos encontrando na leitura da Bíblia é o fundamentalismo, pois esse se fecha no que está escrito e não se abre para o espírito do texto. Assim, sempre há o desafio de não ser fundamentalista, mas de encontrar os verdadeiros fundamentos da nossa fé e para nossa vida na leitura das narrativas bíblicas. Também é importante não considerar a Bíblia simplesmente um monumento antigo e bonito, mas distante da nossa vida.
Algumas vezes podemos até conhecer as histórias da Bíblia e os ensinamentos de Jesus, mas não somos atingidos por esses ensinamentos, não mudamos a nossa vida e o nosso coração, não utilizamos essas mensagens para progredirmos em nosso itinerário espiritual.
Perceber o motivo porque foram empregadas determinadas palavras; considerar o gênero literário, pois um texto pode ser uma carta, um mito, uma narrativa de nascimento de uma criança importante, uma poesia; e também levar em consideração o contexto literário, ou seja, qual Evangelho contém aquela narrativa e qual é a finalidade no contexto do livro. São detalhes importantes para, de fato, compreender a Palavra de Deus.
Além disso, é necessário reler o texto, porque a Palavra de Deus é sempre nova e sempre traz algo para nós, no contexto que estamos vivendo. Uma boa leitura da Bíblia nos leva a meditar, partindo da pergunta: o que esse texto diz para mim, nessa realidade que vivo? Após essa meditação, passamos para a nossa oração, apresentando a Deus nosso agradecimento, pedido de perdão, sentimentos de indignação, raiva, dor, angústia. Oferecemos a Jesus pessoas significativas, as realidades da nossa sociedade (econômica, política, social), da nossa família, do nosso trabalho ou estudo. Por fim, é preciso nos perguntar: como a mensagem desse texto pode me fazer ser uma pessoa melhor ou o que ela contribui para o meu itinerário espiritual?
Para os que não têm afinidade com a leitura da Bíblia, a sugestão é ler pequenos textos, como o Evangelho segundo Marcos, o Livro de Jonas, o Livro de Rute, algum Salmo, saboreando a leitura, sem pressa. Nesse mês que dedicamos à Bíblia, a indicação é ler também a Carta aos Gálatas, escolhida como tema deste ano, e se perguntar: Se ela fosse escrita para mim, como me sentiria ao ouvir essas palavras? Como atualizar esse texto na minha vida?