Oficinas de leitura ajudam detentos na socialização e redução de suas penas

Com o objetivo de incentivar a leitura e prover a formação educacional dos detentos, o Curso de Letras do Campus Coração Eucarístico da PUC Minas, por meio de parceria com a Pró-reitoria de Extensão, realiza o projeto Pelas Letras, que promove oficinas de leitura na Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (Apac) de Santa Luzia. “A cada 30 dias, o detento pode ler um livro; a cada livro lido, são reduzidos quatro dias de sua pena total”, explica a professora Daniella Lopes, do Curso de Letras, coordenadora da iniciativa.

O projeto foi muito bem recebido pela instituição, que preza pela formação dos recuperandos, como os detentos são chamados na Apac. “Nossa filosofia de trabalho é diferente do sistema carcerário convencional, o que favorece a realização de projetos como esse”, afirma Humberto Andrade de Castro, encarregado de segurança da Apac.

Orientados por estagiários do Curso de Letras, responsáveis por conduzir as oficinas de leitura, os recuperandos leem obras de autores como Guimarães Rosa, Eça de Queiroz, Shakespeare e outros. A instituição conta com duas bibliotecas – uma para o regime fechado, outra para o semiaberto -, formadas a partir de livros doados. “Quando não há exemplares suficientes de uma determinada obra para todos, distribuímos livros que falam sobre o mesmo tema e as oficinas são direcionadas para esse assunto comum. Por exemplo, se o tema for traição, podemos trabalhar com Primo Basílio, Dom Casmurro e tantos outros”, explica Daniella.

Segundo a professora, os perfis dos detentos são variados, o que exige cautela para adequar os debates a todos. “Buscamos incentivar quem já tem o hábito da leitura e aqueles que não têm esse costume ou mesmo não tiveram contato com os livros”, diz. De acordo com ela, foram identificados 18 analfabetos dentre os 155 recuperandos da Apac, e a Universidade está elaborando uma iniciativa dirigida a esses alunos em potencial.

Bruno, de 25 anos, conta que ficou empolgado com o projeto. Ele afirma que se engajou na leitura depois que foi transferido para a Apac, há dois anos. “Sempre gostei de ler, mas aqui, parafraseando Drummond, venho desmatando o Amazonas da minha ignorância”, conta ele, que já guardou mais de cem livros em seu dormitório e arquivou uma parte de seu acervo na biblioteca para manter a organização da cela.

A.C.T, de 38 anos, também ficou animado com a proposta da Universidade. “O recuperando pode começar buscando a remição da pena, mas ao evoluir na leitura, percebe os benefícios que pode adquirir”, afirma ele, que despertou seu interesse pelos livros quando trabalhava em uma loja de fotocópias.

Segundo a Lei Federal nº12433/2011 e a recomendação nº 44/2013 do Conselho Nacional de Justiça, que possibilitam a remição de pena a partir do estudo, o detento deve, ao terminar a leitura, redigir uma resenha que é avaliada por professores e juízes. Para o diretor Humberto Andrade, o maior benefício do projeto é o incentivo à cultura. “Desenvolvemos muitas atividades que capacitam os recuperandos, mas acredito que o Pelas Letras será uma oportunidade de ampliar o acesso à cultura. Cerca de 70% deles estão empenhados em participar”, anima-se.

Vencendo barreiras

Em Poços de Caldas, alunos e professores também estão engajados em um projeto de remição de pena a partir da leitura, realizado no presídio da cidade. Na ala feminina, Krislaine Ferreira de Paula busca aproveitar o tempo de detenção para adquirir conhecimento. Há oito meses cumprindo pena e com mais um ano pela frente, é nos livros que ela encontra coragem para enfrentar a rotina. “Se der vontade de ir embora, pego um livro. Na hora de apartar as brigas das meninas, aconselho a lerem um livro. Assim, aproveitamos melhor nosso tempo”, conta.

Krislaine está entre os beneficiados pelo Projeto Remição pela Leitura, desenvolvido sob a orientação do professor Davidson Sepini Gonçalves. Além de possibilitar a redução da pena, o projeto promove o hábito da leitura e contribui com a ressocialização dos encarcerados. “É um projeto humanista por excelência, uma vez que somos chamados a olhar o ser humano a partir do que ele é e não daquilo que ele fez para estar ali”, afirma o orientador.

O projeto atende cem participantes e conta com alunos dos Cursos de Psicologia e Direito. A aluna Isabel Henriques Vilas Boas, do Curso de Psicologia, pensava em trabalhar com a psicologia jurídica antes de ingressar na Universidade e o projeto fortaleceu o seu interesse pela área. “É uma experiência muito interessante pelo seu cunho social e tem me feito crescer bastante”, conta. Para o diretor geral do presídio, Adriano de Souza Silva, o projeto deu uma nova perspectiva aos detentos. “A disciplina dos internos e a comunicação com os agentes penitenciários melhoraram muito. Boa parte dessa mudança eu atribuo à iniciativa”, avalia.

Aos 21 anos, Gabriel Rodrigues cumpre pena há dez meses e é um entusiasta do projeto. Robin Hood e a biografia de Albert Einstein já são obras conhecidas por ele, que conta ter lido cerca de 30 livros desde que se engajou na atividade. “O projeto me trouxe conhecimento para a vida. Sei que posso repassar isso aos meus filhos. Passei a ver o mundo de outra forma, por outro ângulo”, diz.

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