Muitas lógicas influenciam o modo de se conduzir a vida, mas, especialmente para os cristãos, um princípio deve ter lugar central: a lógica do Evangelho de Jesus Cristo, que é paradoxal – perde quem acha que está ganhando. Compreender essa realidade ensinada pelo Evangelho de Jesus é desafio humano e existencial, pois cada vez mais prevalece o primado do lucro a todo custo, da vantagem a todo preço, do ganho inescrupuloso, da busca sem limites pelo acúmulo, do massacre de adversários e daqueles com quem se diverge. Para superar essas atitudes egoístas, desumanas, o tempo pascal oferece oportunidade singular, pois evidencia a vitória da vida sobre a morte, tendo a centralidade da pessoa de Jesus Cristo Ressuscitado. O aparente fracasso de Jesus, no padecimento da paixão e morte, perdas humanas insuportáveis, reverte-se, pela força do amor maior, o amor de Deus, em vitória definitiva e garantia de vida plena. É luz que ilumina o olhar dos discípulos, possibilitando à compreensão humana reconhecer a lógica do Evangelho. Assim, a inteligência se qualifica com a luz divina do amor maior.
O princípio do Evangelho é o caminho para superar lógicas que ferem a dignidade humana, desrespeitando a sacralidade intocável da vida de todos. Desrespeito que se revela nas desigualdades sociais, nos preconceitos e discriminações, nas escolhas que passam por cima do dom sagrado da vida, desde a concepção até o declínio com a morte natural. Importante considerar que as lógicas perversas no coração humano abalam o equilíbrio da casa comum. Isto porque muitas atitudes, que buscam vitórias momentâneas, trazem como consequências perdas desproporcionalmente maiores, muitas irreversíveis. Deve-se, pois, aproveitar bem este tempo pascal que oferece singular oportunidade, por sua liturgia, para a conquista do genuíno olhar dos discípulos de Jesus. Esse olhar, mais do que simplesmente capaz de enxergar objetos, indivíduos ou circunstâncias da realidade, permite tudo reconhecer sob inspiração de Deus.
O olhar dos que são genuinamente discípulos de Jesus se distingue daquele que é meramente humano, enquadrado e definido por dinâmicas de disputas, fermentado por perversidades, patologias sociais, particularmente contornado por vícios de rigidez e formalismos. Em resumo, um olhar míope, que leva a sentimentos distantes da misericórdia, na contramão dos valores do Evangelho. Essa distância da misericórdia merece atenção especialmente daqueles que se proclamam cristãos, mas insistem em permanecer alheios aos princípios do Evangelho. Certas atitudes comprovam a distância entre o que se fala e o que se vive, disritmia entre a pregação do amor, princípio basilar da fé cristã, e práticas de certos grupos, sem ética, conduzidos pelo interesse de ganhar a qualquer custo, sem escrúpulos, passando por cima dos outros, disseminando notícias falsas. Posturas na contramão da autenticidade evangélica.
Importante buscar a aprendizagem para se tornar discípulo missionário de Jesus e, assim, não confundir vitórias com passos que levam a grandes perdas. O olhar do discípulo é, pois, instrumento para configurar a realidade com o sabor do Evangelho, neste mundo de aceleradas mudanças. Esse olhar é antídoto contra equívocos nas interpretações e escolhas, provocados por disputas de poder e defesas ideológicas. Ninguém pode achar que domina a realidade, postura que já compromete o sentido de humildade, valor cristão. A ausência de humildade acirra disputas, alimenta ataques sob a pretensão de querer gerar mudanças, inclusive com a disseminação de mentiras e agressividades, revelando a mediocridade de sentimentos.
O olhar do discípulo, iluminado pela luz da presença do Ressuscitado, graça que ultrapassa capacidades humanas, pode dissipar a grande crise de sentido atual. A civilização contemporânea convive com situações desconcertantes, que distanciam a humanidade da meta de partilhar um só coração. Ao invés disso, cada vez mais pessoas estão fechadas na própria realidade, ilusoriamente bafejadas pelos ventos de defesas partidárias. Só há um jeito para se conquistar o olhar dos discípulos de Jesus, para reconhecer o genuíno sentido da vida e, assim, adotar condutas coerentes com o Evangelho: os cristãos precisam começar o seu caminho a partir de Cristo, sem doentios apegos a perspectivas individuais, de grupos, associações ou partidos. A meta deve ser contemplar quem revelou – e o modo como revelou – a plenitude do cumprimento da vocação humana. Distanciar-se desse caminho faz com que o mundo não seja iluminado pela luz do Evangelho. Com isso, as sementes cairão em pedregulhos e não brotarão; a unidade dos discípulos ficará comprometida, com olhares atrofiados pela nuvem de ódios e disputas. Sem a luminosidade do amor, não haverá vitórias: ao invés disso, a humanidade padecerá, cada vez mais, com a multiplicação de perdas.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Ilustração: Jornal Estado de Minas