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Uma mancha de óleo

Dom Walmor Oliveira de AzevedoA Igreja Católica brinda seus fiéis, na vivência do tempo do Advento, preparação para as celebrações do Natal do Senhor, com o horizonte de esperança desenhado pela palavra do Profeta Isaías, início do capítulo onze de sua profecia: “Um broto vai surgir do tronco seco, das velhas raízes o ramo brotará”. Sinal de um novo tempo, indispensável na vida das sociedades e no coração de cada pessoa.

Este caminho de preparação não pode se resumir ao que se configura do lado de fora. É um risco com prejuízos muito grandes. A vida é um dom muito precioso para ser tratado e vivido de qualquer maneira. E a vida, apesar das garantias e conquistas, particularmente destas últimas décadas, está sendo vivida de qualquer maneira por muitos, trazendo prejuízos e prospectando um futuro muito sombrio. A reversão deste quadro desolador é compromisso que envolve todos. Falar desta desolação não é um pessimismo. É uma advertência e convocação para não se pisar no broto que pode florescer e dar frutos.

É muito fácil pisar no broto e matar as esperanças. É possível cultivar, paciente e ternamente, o broto da vida de cada um, no sonho de mais solidariedade e partilha, revertendo a odiosa e preconceituosa exclusão social de tantos irmãos e irmãs. É preciso mudar o discurso e também o foco das preocupações primeiras. É necessário rever a lista de prioridades das agendas governamentais e da linguagem dos meios de comunicação. A vida política, seus interesses e configurações tão partidárias têm ocupado o lugar primeiro e quase único das preocupações, dos noticiários e dos debates.

Há uma mancha de óleo, expressão dos Bispos na 5ª Conferência do Episcopado Latino-Americano e Caribenho, no Documento de Aparecida, n. 422, que está invadindo tudo. Esta mancha de óleo está acabando especialmente com a juventude. Trata-se do gravíssimo problema da dependência química. Esta é uma preocupante pandemia que está gritando por sensibilizações mais contundentes. Está urgindo ações mais rápidas e determinantes para livrar dependentes químicos deste inferno de suas vidas. É preciso frear esta dizimação que já está comprometendo o futuro da sociedade. A sociedade precisa de uma sensibilização profunda para engajar-se, cotidianamente, na luta pela prevenção e recuperação.

A consciência da Igreja, iluminada pelo mandato da missão que recebeu do seu Senhor, Cristo Jesus, é a de que “deve promover uma luta frontal contra o consumo e o tráfico de drogas, insistindo no valor da ação preventiva e educativa, apoiando os governos e entidades civis que trabalham neste sentido, exortando o Estado em sua responsabilidade de combater o narcotráfico e prevenir o uso de todo tipo de droga. A ciência tem indicado a religiosidade como fator de proteção e recuperação importante para o usuário de droga”, assinala o Documento de Aparecida, n. 423. A Igreja tem muitas obras que respondem a essa problemática, especialmente as comunidades terapêuticas, os esforços missionários da Pastoral da Sobriedade, a manutenção de fazendas com programas que acentuam e recuperam a visão humanística e transcendente da pessoa. Esta oferta de experiência precisa ser multiplicada como serviço urgentíssimo prestado à juventude e adolescência. A prevenção e recuperação da dependência química não terão êxitos apenas com a desintoxicação e outros procedimentos próprios e indispensáveis.

É preciso prestar atenção no remédio indispensável deste sentido de transcendência e humanismo. O distanciamento desta perspectiva aumenta a velocidade de precipitação desta parcela significativa da sociedade na vala comum da dependência, e atrasa o sentido da recuperação da dignidade e do senso autêntico da vida. Não se tratará jamais de uma religiosidade manipulada para fins outros senão como encontro com o Deus Vivo enquanto sustento insubstituível para que cada pessoa tenha nobreza e dignidade.

Este cenário preocupante, em se considerando as diferentes etapas da vida, pede o crescimento rápido no entendimento adequado das juventudes. É preciso estar consciente de que inseridas neste contexto contemporâneo de riscos e indeterminações, as juventudes são uma geração com grande dificuldade de definir um projeto de vida. 

Os jovens estão expostos a situações de risco e grandes vulnerabilidades, com processos perversos de exclusão como a miséria, o desemprego, a ociosidade, mortes violentas e a impossibilidade de uma maior participação social. A pandemia da dependência química, a violência e outras incontáveis razões estão indicando urgências no entendimento sério e clarividente na compreensão das juventudes, suas dinâmicas e configurações. Uma luta diária por uma formação integral dos jovens na tarefa de acabar com a mancha de óleo.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

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