Bater no peito é um gesto simbólico, forte. É a demonstração de uma consciência iluminada para a necessidade inadiável de conversão e mudança no contexto atual, com suas lacunas e crises de todos os tipos. Sabe-se que não se avança sem inovações na tecnologia, nos funcionamentos das instituições, na adoção de novas estratégias capazes de alcançar soluções para os desafios contemporâneos. Tudo isso é importante. Mas, acima de tudo, é preciso promover transformações no jeito de ser de cada cidadão, para que famílias, comunidades, instituições, toda a sociedade, sejam constituídas por pessoas qualificadas. Assim, fica claro que a conversão e a mudança podem ser os pilares insubstituíveis para que as consciências tornem-se a força capaz de dar novo rumo à humanidade. Eis o maior desafio existencial e ético-moral.
Sem a necessária revisão interior, permanecem os passivos e atrasos. São perdidos valores culturais e religiosos. Habitua-se a conviver com a incompetência humanístico-existencial nos mais diversos ambientes. Os indivíduos se tornam espectros, sem força para desencadear necessárias transformações. Contentam-se a realizar um “voo cego”, sem rumos, desprovido de clarividência. Quando não se revisa a própria consciência, a tendência é agir com certa permissividade na defesa de interesses espúrios, revelando mesquinhez. O resultado é uma sociedade moralmente desarticulada, com segmentos e instituições que servem como ancoradouro dos medíocres. O ser humano perde a capacidade e a sensibilidade para reconhecer o inestimável valor do semelhante - a expressão do que é nobre e grandioso na promoção do bem.
As muitas dificuldades enfrentadas atualmente podem ser, em grande parte, resultado do que é produzido nas mentes daqueles que não adotam o gesto ritual, com força de tocar a consciência, de bater no próprio peito. Esse gesto simbólico significa reconhecer, humildemente, as próprias limitações. É o primeiro passo para se viver processos de requalificação. Hoje, bate-se no peito como sinal de várias outras coisas: para se gabar do pouco que se fez, para a autopromoção, para justificar o que é da própria conveniência, para querer apresentar-se como melhor do que o outro, para tentar conquistar admiração, enaltecendo o que julga possuir em termos de qualidades. Perde-se, assim, a oportunidade de se exercitar na indispensável tarefa de reconhecer os próprios limites. Com isso, corremos o risco de acentuar formas perigosas de individualismo.
Progressivamente, as pessoas tornam-se menos habilitadas para o necessário embate de ideias e perspectivas, dinâmica fundamental para a revisão das próprias convicções e, consequentemente, para o amadurecimento. Sem abertura para mudança, indivíduos se agarram a critérios que produzem juízos equivocados. Na contramão de processos de conversão, vê-se o aumento de posturas enrijecidas, pela manutenção de reações e considerações cristalizadas, levando a humanidade a conviver com tantas situações cruéis: preconceitos, ódios, indiferenças. São alimentadas disputas e tornam-se cada vez mais distantes as possibilidades de reconciliação. Essas situações revelam mediocridades humanísticas e espirituais.
E o tempo precioso da Quaresma, delicadeza de Deus para com o seu Povo, é a oportunidade para resgatar o nobre sentido de bater no peito como experiência existencial-penitencial, investimento para corrigir a própria conduta, compreendendo-se como instrumento para promover convivências saudáveis. Ao bater no próprio peito, reconhecendo limitações, com abertura para evoluir, cada pessoa torna-se agente no processo de qualificação do tecido social, humanístico, religioso e cultural no mundo contemporâneo. Pode oferecer, assim, contribuição para edificar uma civilização fraterna e solidária, capaz de superar os variados tipos de violência.
O gesto de bater no peito, com humildade e altruísmo, exige vencer qualquer postura narcísica. Ao invés disso, o olhar deve dirigir-se para a pessoa capaz de transformar o coração de todos: Jesus Cristo, contemplando o seu caminho redentor de paixão, morte e ressurreição. Bater no peito, com a abertura para reconhecer as próprias limitações, cultivando a disponibilidade para evoluir, é exercício que ilumina consciências. Caminho indispensável para o surgimento de líderes capazes de cumprir a missão que assumiram, cidadãos que prezam e têm gosto pela solidariedade fraterna, gente que reconhece e valoriza os bens históricos, culturais e ecológicos.
Bater no peito, sem medo e até por gosto terapêutico, examinar a própria consciência, reconhecer erros e mediocridades, um esforço da razão e, acima de tudo, com abertura para a graça de Deus, com o olhar fixo n’Ele, o Cristo. Aí está o exercício transformador que qualifica a interioridade humana para alcançar novos propósitos, a alegria de sair da própria prisão existencial para fazer-se instrumento do amor e da verdade, edificando um tempo novo, o tempo de Deus!
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte