Artigo de dom walmor

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Solidariedade: Lacre do Bem

A menina Júlia Macedo, de onze anos, aluna do Colégio Santa Maria, aqui de Belo Horizonte, brilha como uma luz no fim do túnel, diante dos cenários confusos e desesperançados da política, das dificuldades que afligem milhões de pessoas provocadas pelos descompassos na economia e pela crise moral.  Um gesto simples de solidariedade incendeia uma campanha, Lacre do Bem, que troca os lacres das latas de alumínio por cadeiras de rodas.  Em dois anos a garota, com o apoio dos pais e dos colegas, conseguiu juntar 26 milhões de lacres, agregando a essa Campanha muitas outras pessoas, com a força da solidariedade que transforma vidas e corações. É um broto de esperança exemplar apontando a direção certa da aposta que precisa ser assumida como lição. O segredo é simples, revelado nos traços do rosto sereno, inocente, e sustentado pela convicção do bem que está no coração da garota de 11 anos.
 
O segredo maior é alicerçar o coração e a mente nos balizamentos da solidariedade. Obviamente, esse é o remédio para curar os desvios que embaraçam os exercícios da representação política. O investimento prioritário, portanto, na família, na escola e nas relações sociais todas, é entender e  vivenciar a solidariedade como princípio social, pois é ela que agiganta ações como a campanha Lacre do Bem. Esse investimento efetiva soluções para problemas que se arrastam sem saída nos debates políticos, nas análises sociológicas sofisticadas, mesmo nos discursos de denúncias ou na superficialidade de apontar o dedo para os outros. As instituições não conseguem encontrar seu ordenamento adequado e esperado fora dos parâmetros da solidariedade como princípio social. Sem esses balizamentos, os funcionamentos institucionais todos, da família à escola, da empresa à universidade, as relações entre as pessoas e os povos caem na incapacidade de eleger o bem comum como prioridade. Perdem a sensibilidade de cultivar o cuidado com os mais pobres.

Uma garota consegue mudar quadros na vida de pessoas, alimentar esperanças nos funcionamentos de creches e outras instituições com a força transformadora, a sabedoria própria e incisiva do amor ao próximo. Convence que há possibilidade de crescimento e consolidação de estruturas de solidariedade. É isso que pode, deve e é urgente acontecer com a criação e modificação de leis, regras de mercado e ordenamentos, da mais alta esfera até as relações mais domésticas. Só assim será possível configurar novo tecido cultural solidário, capaz de tirar a sociedade do caos, da falta de horizontes. A ausência da solidariedade produz prejuízos terríveis, a exemplo do preço patente e devastador da corrupção que compromete o bem comum. É próprio da solidariedade, como virtude moral a ser aprendida e praticada, manter acesa na consciência de cada um a determinação de se empenhar pelo bem comum, priorizando os mais pobres. Somente esta virtude poderá evitar os esquemas de corrupção, o terror do crime organizado e frear a indiferença para com o próximo.

Sem solidariedade não se alcançará a almejada paz no mundo, o bem comum sempre estará comprometido. Quando, pois, se afirma, com certeza, que na base de todas as crises que afetam a sociedade está a crise moral, compreenda-se que o seu remédio é a aprendizagem da lição da solidariedade, investimento prioritário na formação da criançada e da juventude, pela comprometida modelagem que os adultos devem assumir como tarefa primeira.

Só a solidariedade articula os pilares fundamentais da vida social: verdade, justiça e liberdade. É hora de grandes correções de rumos, ajustamentos de procedimentos, intervenções incisivas. É hora de envolver o conjunto dos cidadãos em práticas, pequenas e grandes, para além de obras públicas ou dos convencionais deveres de investimentos, inserindo as camadas todas da população brasileira em campanhas, projetos e programas que mereçam o reconhecimento, pelo alcance de sua solidariedade, como o Lacre do Bem.

 
 
 
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
 Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
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