A celebração do Dia do Trabalho é oportunidade para que a sociedade se manifeste e exponha as situações graves que pesam nos ombros de todos, particularmente dos mais pobres. Em meio a tantas bandeiras a serem desfraldadas, é indispensável nesta hora erguer a da solicitude social. Uma bandeira que remete a conceitos e a princípios fundamentais insubstituíveis, para que se consiga superar a avalanche de problemas. A Igreja Católica empunha essa bandeira desenhada na solidez de sua Doutrina Social, a partir de referências, valores e entendimentos que podem impulsionar na direção de soluções que são urgentes.
A Doutrina Social da Igreja não é simples receituário para situações pontuais. Trata-se de uma fonte com força para mover consciências e condutas em direção a uma nova cultura. Desse modo, contribui para que o tecido social seja enriquecido por urbanidades e sensibilidades, fazendo frente a indiferenças, a condutas que comprometem instituições e funcionamentos governamentais. No horizonte, simples e determinante é reconhecer a importância e a dignidade do trabalho, a participação diversificada e diferenciada de cada cidadão na construção da sociedade.
Elementar, portanto, é comprometer-se com o princípio da honradez de cada trabalho, que deve nortear a ação cidadã de todas as pessoas. A honradez do trabalho ficará gravemente comprometida se a exigência do lucro preceder o temor do Senhor e a exigência da justiça. Quando a exigência do lucro é o princípio que norteia todas as ações, abrem-se as portas para todo o tipo de corrupção. O Livro dos Provérbios traz máximas importantes que firmam essa compreensão e inspiram a conduta justa de cada pessoa: “Vale mais o pouco com o temor do Senhor que um grande tesouro com a inquietação” (Pr 15,16). “Mais vale o pouco com justiça do que grandes lucros com iniquidade” (Pr 16,8).
Jesus ensina, na sua pregação, a apreciar o trabalho e, ao mesmo tempo, a não se deixar escravizar pelo trabalho. O Mestre empenha-se incansavelmente, no exercício do seu ministério, para devolver a inteireza à dignidade humana. Assim, constitui o modelo para que se compreenda cada trabalho realizado. Uma compreensão que situa as obras de cada pessoa no horizonte mais amplo da criação. Ilumina o sentido cativante da participação na obra criadora de Deus. Particularmente, inspira gestos que promovem a recomposição permanente da dignidade humana, uma luta incansável por condições sociais, políticas e de infraestrutura à altura desta dignidade maior, de ser filho e filha de Deus.
Por isso, o trabalho representa uma dimensão fundamental da existência, participação nas obras da criação e da redenção humana. O trabalho é também expressão plena da humanidade de cada pessoa. Reside aqui a exigência de solicitude social no tratamento de cenários discriminatórios e excludentes, com sagrada indignação frente a situações de escravidão e de exploração. Também é fundamental que todos possam exercer o direito ao trabalho. Por isso, a sociedade inteira, especialmente os segmentos governamentais e os líderes diversos, tem o dever inadiável de criar as condições, com racionalidade e humanismo, para que todos possam cumprir o dever de trabalhar.
O trabalho não é obra de servidão e sim intervenção genuinamente humana. Por meio do trabalho, o homem governa o mundo com Deus, exercendo um domínio que é justo na medida que produz para si e para os outros os bens necessários. Lúcida e inspiradora é a indicação de Santo Ambrósio, no século quarto, ao afirmar que cada trabalhador é a mão de Cristo que continua a criar e a fazer o bem. O trabalho é uma atividade exigente, mas é também uma espiritualidade, gesto de colaboração com o Criador. Deve ser inspirado sempre pelo sonho e pela meta de dar feições novas - de justiça, respeito e paz - aos cenários diversos da sociedade.
Por ser direito fundamental e bem para cada pessoa, o trabalho tem que ser iluminado e inspirado pela bandeira da solicitude social. A luta pelo trabalho, a exigência para que as leis se cumpram e sejam sempre mais humanizadas devem ter o parâmetro dessa solicitude. Trata-se de condição para que se construa um tecido social mais consistente, menos excludente, a partir de cultura firmada nos princípios do respeito e promoção da dignidade humana. Para que se alcance uma realidade mais digna, há um longo caminho a percorrer. À frente, deve sempre estar a bandeira da solicitude social.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte