Pode parecer estranho ao conjunto de uma sociedade que multiplica palavras, tornando-se Babel, pedir silêncio, silenciar-se. Muitas palavras não garantem entendimentos. E o silêncio causa estranheza em um mundo barulhento. Importante é aprender com místicos e profetas, aqueles que sempre, antes de se expressar, guardam um qualificado tempo de silêncio. O ato disciplinar, exercitado nas salas de aula, nos auditórios ou nas igrejas, de se silenciar, é indispensável para desenvolver a capacidade de escutar. Na contramão dessa disciplina, convive-se com a disseminação de palavras e mais palavras, que são banalizadas. Fala-se sobre todas as coisas, opiniões são publicizadas sem o devido cuidado, com juízos a respeito daquilo que não se sabe bem. Para que exista palavra qualificada é indispensável antes trilhar a via do silêncio.
A avalanche de palavras está desacostumando a sociedade a viver o silêncio. É hora de aprender a silenciar-se, essencial ao reconhecimento dos sentidos que fazem parte do viver humano, à tomada de decisões e à realização de escolhas no exercício das próprias responsabilidades, com discernimentos adequados. A cultura contemporânea estimula o falar muito, e cada vez mais, sem o devido cuidado com o silêncio. Há de se superar o possível incômodo provocado pelo silêncio, pois é nele que vive a palavra. O silêncio é o único caminho para que se alcance o mistério maior, livrando o ser humano da superficialidade. Mas a sociedade insiste em estabelecer uma grande distância entre silêncio e palavra. Essa distância precisa ser encurtada, para que todos busquem se silenciar mais e, consequentemente, encontrar o caminho do mistério que guarda a verdade do amor.
O silêncio gera e qualifica peregrinos, conforme apontam os estudiosos da espiritualidade cristã, além de manter a luz interior, essencial a quem busca se expressar adequadamente. O silêncio capacita o ser humano para que sua comunicação seja marcada por palavras performativas, isto é, capazes de produzir sentidos qualificados, ajustando entendimentos que alicerçam as muitas escolhas. Por isso mesmo, sem renunciar ao direito à livre expressão, é indispensável exercitar o silêncio. Uma tarefa difícil, embora essencial, que precisa ser incluída no dia a dia de cada um, para que todos sejam comunicadores de verdades. O silêncio, morada da palavra, tem propriedades para fazer das muitas falas instrumentos autênticos de construção da justiça e da paz, caminho para o encontro com Deus.
No atual contexto, quando falar tornou-se uma forma de se exercer o poder, a sociedade que não se cansa de propagar palavras, não sabe se silenciar. Consequentemente, circulam muitas palavras enfraquecidas. Urgente é a disciplina para cuidar de não “falar por falar”; ou para impor dominação. Além disso, evitar ser agente disseminador das “notícias falsas”. É hora oportuna de se criar gosto pelo silêncio, na intimidade do próprio quarto, no alto de uma montanha, contemplando uma paisagem, nos escritórios, nas igrejas, no contexto da própria família. Reconhecer que se silenciar é atitude essencial a ser aprendida, praticada.
O silêncio é remédio para muitos desesperos experimentados pelo ser humano e a celebração do Natal oferece oportunidade singular para praticá-lo. Luzes, cores estão evocando a celebração do Natal do Senhor. Contudo, o mais importante é cuidar para que a carência de silêncio, incapacidade ou falta de vontade para vivê-lo, sejam superadas, fazendo ecoar o alcance e o sentido do nascimento de Jesus. O silêncio é o instrumento para garimpar toda a força do amor inesgotável de Deus: todos estão convocados ao exercício espiritual de se silenciar. Colocar-se diante do presépio, seja qual for o seu tamanho, para uma silenciosa contemplação. Assim, no itinerário da celebração do Natal, silenciosamente se deixar iluminar pela força do mistério da encarnação do Verbo, aprendendo lições cuja qualidade e novidade nem a razão consegue alcançar.
Silêncio! Silêncio! Comedidos na fala, para permitir a ação amorosa de Deus que renova a vida de cada pessoa, experimentada de modo singular no Natal do Senhor. Ação amorosa que faz brotar no coração humano a misericordiosa compaixão, qualificando todos para a tarefa de construir um mundo novo pela força do amor que se revela no Menino-Deus. Os votos natalinos incluam o convite para a prática do silêncio, que faz do coração humano a mais autêntica manjedoura, para sempre morada de Deus.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)