“Sempre tereis pobres entre vós” é a palavra de Jesus Mestre que desenha um horizonte existencial mais qualificado para os seus discípulos, inspirando sensibilidade social capaz de contribuir para uma nova organização política e humanitária. A lição de Jesus emoldura a mensagem do Papa Francisco para a celebração do 5º Dia Mundial dos Pobres, 14 de novembro. Uma convocação para reconstruir urgentemente o tecido social da humanidade. Trata-se de necessidade incontestável ante o aumento dos cenários de misérias e de exclusões, das escolhas políticas inadequadas e de atitudes destituídas do compromisso com a responsabilidade social. Esses cenários se agravam com a pandemia da COVID-19, exigindo celeridade na solução de tantas crises – tarefa de todos os cidadãos e especialmente de seus representantes, servidores nas instâncias do poder. Assumir esse compromisso é especialmente indispensável para os que professam a fé cristã – indissociável da luta pelo bem comum. Os cristãos têm o dever de denunciar e buscar reverter situações de injustiça. Não existe outra opção.
Crer em Cristo Jesus é compreender-se no coração do mundo como instrumento do anúncio do Reino de Deus, a caminho dele, pela irrenunciável tarefa de marcar os caminhos da sociedade com o sabor do Evangelho. Distancia-se de Cristo, mesmo afirmando-se defensor da ortodoxia da doutrina da fé cristã, quem não se dedica à transformação da humanidade, no horizonte dos ensinamentos de Jesus. E aqueles que se dizem discípulos de Jesus, mas não procuram viver de modo pleno a fé cristã, correm riscos sérios de defender perspectivas que, cedo ou tarde, mostram-se interesseiras e mesquinhas. No horizonte da celebração do 5º Dia Mundial dos Pobres, reflexos de iluminação devem incidir e interpelar a vida cristã, para transformar atitudes e proposições, pois a participação cidadã é essencial à construção de uma sociedade alicerçada sobre os pilares da justiça e da paz, fecundadas por crescentes solidariedades.
Este Dia Mundial dos Pobres há também de remeter a uma compreensão incontestável sobre o dever da política melhor: trabalhar por uma ordem justa na sociedade e no Estado, pois, conforme disse certa vez Santo Agostinho, o Estado não regido pela justiça reduzir-se-ia a um grande bando de ladrões. Com a instituição do Dia Mundial dos Pobres, o Papa Francisco sublinha que política e fé se relacionam. A fé tem por natureza o encontro pessoal com o Deus vivo. Vivida com autenticidade, impulsiona o ser humano para horizontes amplos de solidariedade. O cristão, por seu apreço à dignidade de cada pessoa, sente-se incomodado diante das injustiças. Assume o compromisso de defender a vida em todas as suas etapas. Assim, escutar o Senhor Jesus dizer que “sempre tereis pobres entre vós” é aceitar matricular-se em uma permanente escola de sensibilização, capaz de inspirar atitudes que promovam a justiça a partir da solidariedade. Essa sensibilização indispensável, da fé à política, impulsiona desde a ação solidária emergencial até aquela que busca uma organização social mais justa, comprometida com o bem de todos.
O rosto de Deus que Jesus revela, diante de seus interlocutores, é de um Pai para os pobres, próximo dos pobres. Cristo mostra que a pobreza não é fruto de uma fatalidade. O Papa Francisco diz que não se encontra Deus quando e onde se quer. “Mas reconhecemo-Lo na vida dos pobres, na sua tribulação e indigência, nas condições por vezes desumanas em que são obrigados a viver.” Isto significa, continua o Papa, colocá-los no centro da vida da Igreja, e - na condição de remédio curativo para indiferenças - na vida de toda pessoa. A mensagem para o 5º Dia Mundial dos Pobres orienta: mais que emprestar a própria voz às causas dos pobres, é preciso tornar-se amigo deles, para escutá-los e aprender a misteriosa sabedoria de Deus que cada pobre revela. Oportuno é se lembrar dos gestos de Jesus que sempre esteve ao lado dos pobres. Assim, para seguir Jesus é preciso assumir o compromisso com a comparticipação, cultivar a disponibilidade para partilhar.
É urgente o desafio de assumir posturas na contramão das armadilhas que levam à miséria e à exclusão, colocadas no caminho da humanidade por quem não tem escrúpulos, agentes econômicos e financeiros que desconsideram a responsabilidade social. A abordagem diferente e adequada da pobreza, para efetivar nova realidade, mais justa e solidária, precisa começar sempre por uma pergunta que interpela: “Sentes compaixão?” Cultive-se a compaixão e seja fecunda a inteligência afetiva e política para se fazer valer a beleza inegociável da dignidade maior – todos são filhos e filhas de Deus. Assim, seja vivida a fraternidade universal, em gestos, palavras e organização social. A compaixão é o selo da verdadeira humanidade em Cristo. Com os pobres e para os pobres, sentes compaixão?
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Ilustração: Jornal Estado de Minas