Artigo de dom walmor

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O mundo contemporâneo tornou-se verdadeira avalanche de transformações que chegam em velocidades crescentes, ou melhor, vive-se acelerado processo de mudança de época. Mudanças para melhor, e também, lamentavelmente, para pior, pois muitas delas conduzem a humanidade às deteriorações e involuções que representam desperdício de oportunidades justo em um tempo com tantas possibilidades. No coração desta contradição, permanece o desafio humano: superar o medo de mudar, que paralisa e impede os avanços necessários.

Esse medo sustenta idolatrias hegemônicas com tons de perversidade, induz a percepções equivocadas da realidade. Faz perceber o outro, o diferente, como inimigo, estimulando uma dinâmica beligerante, marcada por ataques sem piedade. Agressões que se manifestam, frequentemente, na propagação de mentiras, interpretadas como verdades, nos diversos contextos onde prevalece a incapacidade para o qualificado discernimento. Ambiente propício a quem se vale da calúnia para esconder as próprias limitações, desqualificando outras pessoas. Em vez de mudar e crescer, muitos se valem da mentira e dos ataques para diminuir quem é diferente.

Constata-se, pois, que o medo da mudança é o fantasma da imaginação de quem, mesmo inconscientemente, sabe da própria incompetência para alcançar conquistas e reconhecimento. Um sentimento que aprisiona indivíduos - consequentemente, instituições e segmentos sociais - nos parâmetros da mediocridade. A solução e o grande desafio é superar esse medo. E somente a abertura para se reconfigurar é que permitirá às pessoas evoluírem, alcançarem novas intuições e desenvolverem promissores projetos.

Abrir-se para novas possibilidades não significa “mudar por mudar”. O que deve ser buscado é a lucidez que permite não desprezar novas respostas para os muitos problemas ainda sem adequada solução. Isso exige vencer o comodismo e a ignorância, superar os medos que ferem a capacidade para o adequado discernimento. Esse temor diante da possibilidade de mudança aprisiona, inviabiliza a adequada vivência da cidadania e da espiritualidade. Impede o descortinar de um tempo novo, o que resulta na falta de compromisso com a vida comunitária.

Assim, perdem-se tempo e oportunidades, pois continuam os investimentos em processos obsoletos, produtores de prejuízos e atrasos. E mesmo diante das evoluções nos diferentes campos do saber, na área da educação, saúde e comunicação, não faltam exemplos de situações de penúria, que já deveriam ter sido superadas. Um exemplo é o aumento assustador de epidemias com o retorno de doenças já consideradas erradicadas, resultado do descaso, da exploração irresponsável do meio ambiente, do caos que se instala na sociedade a partir dos esquemas de enriquecimento ilícitos. Esses males fazem crescer a insegurança no coração das pessoas, mesmo entre aquelas que vivem a falsa tranquilidade por terem acumulado muitos bens.

Tudo isso, aliado à crescente violência, à falta de respeito ao semelhante e ao meio ambiente, no fim, contribui para o desvanecimento da alegria de viver. E o progresso científico experimentado na atualidade não é suficiente para colocar o mundo nos trilhos da paz e emoldurar as sociedades nos parâmetros do desenvolvimento integral. Consequentemente, a economia da exclusão, a idolatria do dinheiro e a desigualdade social prevalecem, impedindo que o mundo se torne mais justo, solidário e fraterno.

Há, pois, a urgência de se superar o medo das mudanças. E o tempo da Quaresma é oportunidade para, corajosamente, se enfrentar qualquer receio de viver uma transformação pessoal. Quando se fala sobre a necessidade de reformas estruturais e conjunturais na sociedade há de se admitir que o ponto de partida é reconfigurar o mais recôndito da alma e da consciência de cada indivíduo. E uma fecunda experiência espiritual oferece a cada pessoa a oportunidade para se renovar.

Da maestria do coração de Jesus nasce o convite central para operar mudanças na interioridade humana, que reúne muitas aptidões, dons do Criador, mas se torna fragilizada pelo pecado. O remédio para não ter medo de mudar é acolher, sem justificativas e delongas, o convite para uma autêntica conversão. Decisão que exige humildade para reconhecer e superar os próprios limites e as escolhas equivocadas. Um passo necessário para experimentar a alegria de ser bom e de fazer sempre o bem, justamente por não ter medo de mudar.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

Ilustração: Jornal de Estado de Minas

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