Artigo de dom walmor

Dom Walmor Oliveira de Azevedo

Chama a atenção o fascínio que a nobreza de uma monarquia, ainda hoje, opera sobre pessoas, com ecos e força determinante na vida de uma sociedade. A razão desse fascínio estaria no forte aspecto espetacular? Espetáculos sempre chamam atenção, são muito atraentes e influenciam interesses e apoios. Contudo, não convém considerar o espetacular como sinônimo da nobreza que atrai.

 

Ainda que misturada ao espetáculo, a nobreza pode ser considerada um sinal esperançoso, no imaginário da sociedade e na vida das pessoas, de que é possível reverter o desencantamento que ainda viceja no tecido pós-moderno. Também pode ser sinal de que a dinâmica da realeza tem força de recuperar tudo o que tem caído no relativismo, capaz de permitir a adoção de condutas permissivas, a corrupção e a delinquência.

 

A delinquência dos que são dizimados pelas dependências, químicas e outras, até aquela que desconsidera o próximo, incapaz de levar em conta o grande princípio da fé cristã, o outro como mais importante. O fascínio pela nobreza configurada, por exemplo, na instituição monárquica, desafia, de certo modo, os percursos no entendimento deste fenômeno.

 

Salve a nobreza! É preciso buscar o sentido de nobreza noutros contextos, que vão além de regimes políticos. A busca da nobreza é indispensável. Sem seu sentido e sua vivência será quase impossível encontrar saídas para a crise existencial e cultural que se abate sobre esse tempo. A festa de Corpus Christi, celebrada em toda a Igreja Católica no mundo inteiro, é um paradigma perfeito em busca do entendimento da verdadeira nobreza que tem força de fascínio e que ultrapassa o espetacular para ser lição e exercício.

 

No centro do fascínio que a festa de Corpus Christi suscita e alimenta está Cristo, o único Senhor e Salvador. A Eucaristia celebra e condensa o mistério de amor que o Filho de Deus, Cristo Jesus, amorosamente obediente ao Pai Criador, vivenciou no Tríduo Pascal, na quinta-feira santa, durante a Última Ceia, e nas horas sucessivas, da agonia do Getsêmani, com sua paixão, morte na cruz e ressurreição. A nobreza do Filho de Deus que se oferece é a redenção do mundo.

 

Essa nobreza da oblação de Cristo Jesus pela salvação do mundo é o mistério da fé. Não é um espetáculo para fascinar, contemplado de longe, acendendo gosto de participação e de ocupação daquele lugar apenas como sonho irrealizável. A nobreza revelada em cada celebração da Eucaristia tem força de produzir o enlevo cujo fascínio resulta em participação na graça da redenção. Redimir-se é recompor e reconquistar o sentido da própria dignidade de filho e filha de Deus, o dom mais importante e, ao mesmo tempo, a relevância maior de cada pessoa. Na filiação divina está a nobreza maior por ser a dignidade mais rica, desdobrando-se em sentido e compromisso de fraternidade e solidariedade.

 

O ser fraterno e solidário é a expressão mais espetacular e fascinante da vivência da própria dignidade de filho e filha de Deus. A nobreza não é de alguns. É a condição possível e indispensável de cada um. Por isso, a Igreja Católica nasce e vive da Eucaristia, como nasce e vive da Palavra de Deus, verdadeiro alimento e verdadeira bebida. Celebrar a Eucaristia, testemunhá-la no compromisso com a verdade, com o bem e com a justiça e adorá-la é ter uma fonte inesgotável de santidade. Nobreza, portanto, na fé cristã, é sinônimo e compromisso com a santidade de vida. Vida santa é vida nobre.

 

Quem é nobre está construindo sua vida na santidade. Não é fascínio de cores, de luzes, de lugares ou de gestos e movimentos. Só há nobreza quando cada pessoa se faz dom. A Eucaristia é fonte inesgotável de nobreza porque é dom por excelência. É dom da pessoa de Cristo Salvador e Redentor. Quando a Igreja celebra a Eucaristia, memorial da morte e ressurreição do seu Senhor, este acontecimento central de salvação torna-se realmente presente e realiza-se também a obra de nossa redenção.

 

Esse é, pois, o mais perfeito sentido de nobreza que tem propriedades inigualáveis para iluminar a realidade. Uma iluminação que impulsiona na direção do compromisso de mudar a humanidade, embaraçada em tantas desfigurações. A nobreza do dom de si é o fermento mais indispensável para a cidadania, que pode se tornar sinônimo de nobreza. A festa de Corpus Christi, também como testemunho público de fé, é oportunidade de renovação, como cada Eucaristia celebrada, vivida e testemunhada, para que não se perca o sentido da vida em Deus, que ultrapassa o tempo e a história. É o caminho para que o mundo encontre um rumo novo. É o momento de aprender a nobreza do Filho de Deus e dar rosto novo à humanidade.

 

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

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