A fragilidade do tecido sociopolítico e religioso-cultural da sociedade brasileira aponta o preocupante fenômeno das tiranias, exigindo redobrada atenção para o conjunto dos descompassos que pesa sobre os ombros de todos. Curvada sobre si mesma, a sociedade apresenta preocupantes sinais de morte, o que requer urgente e adequado tratamento, ante o risco iminente de prejuízos irreversíveis. Por isso mesmo, há de se ter consciência mais clara sobre a realidade, para que se possa tomar direções acertadas e superar as graves lacunas que impõem sacrifícios e atrasam conquistas. Na ausência das providências necessárias, cresce a violência, aumenta o número de desempregados, multiplicam-se cenários de vergonhosas pobrezas, manipulações em instâncias que deveriam servir ao povo, mas se dedicam a oligarquias. A indiferença compromete a sensibilidade social e preocupa, com seus impactos negativos na justiça, inviabilizando a paz. Incapaz de atender às exigências contemporâneas e antropológicas, merece especial atenção o campo da educação, ainda muito balizado pela formalidade acadêmica e conceitual. Há, notadamente, um desafio na formação dos jovens: além de suas responsabilidades com o presente e o futuro, precisam lidar com as aceleradas mudanças que afligem a todos existencialmente. Considerar esta complexa realidade atual permite enxergar fragilidades que levam a ações, escolhas e palavras desprovidas de consistência e, consequentemente, incapazes de oferecer respostas aos desafios contemporâneos. Ao invés disso, alimentam mecanismos de tiranias.
Manifestação de uma força que busca esconder as fragilidades, as tiranias precisam ser enfrentadas urgentemente, a partir de investimentos para mudar mentalidades e qualificar as muitas dinâmicas da vida. Particularmente no contexto democrático, as tiranias promovem estragos, por encobrirem incompetências individuais e entendimentos que fundamentam propostas comprometedoras. Ora, a democracia inclui muitas exigências opostas às tiranias: capacidade de diálogo, sensibilidade social e política para respeitar e promover a igualdade, habilidade em articular a riqueza das diferenças e diversidades a partir de princípios irrenunciáveis, intocáveis. Assim, tiranias no exercício de poderes são sinais de alerta, pois ameaças à democracia levam a perdas irreparáveis. Reações e propostas não podem seguir na direção contrária aos parâmetros da democracia, com a opção por tiranias que simplesmente revelam fragilidades humanísticas e antropológicas, sinais do enfraquecimento geral das instituições, cada vez menos capazes de se orientarem pelo que, de fato, é importante para as pessoas a quem deveriam servir, não oferecendo respostas às muitas questões existenciais e cotidianas.
Constitui-se tirania não prover a sociedade dos funcionamentos necessários que venham a atender suas demandas e mobilizá-la na direção da justiça e da paz. Nesse sentido, vale, pois, analisar e considerar as posturas de cada cidadão e cidadã que podem ser também expressões de tiranias. As polarizações e extremismos, por exemplo, que se materializam nas relações estabelecidas especialmente nas redes sociais, são claros sinais desse mal. As atitudes que alimentam tiranias têm várias causas e origens. Entre elas, a falta de autocrítica tão fundamental em qualquer relacionamento. Essa capacidade é determinante no exercício de todas as responsabilidades, para que não se corra o risco de alimentar a presunção, que cega pessoas, enjaulando-as na mediocridade. Sem autocrítica, cresce a falta de respeito e perdem-se os parâmetros da urbanidade, inviabilizando avanços e a indispensável criação de consensos - entendimentos construtivos.
Não menos preocupante é o quadro de tiranias alimentado por fundamentalismos religiosos, no horizonte de um cristianismo torto que leva a perigos muito sérios, particularmente por influências indevidas, inclusive de instâncias democráticas. Essa e tantas outras formas de tirania merecem considerações à luz de análises, a partir de diferentes campos do saber, para que se perceba, com ainda mais clareza, os riscos causados pelo comprometimento da democracia, pela indiferença ante os clamores dos pobres, pelos autoritarismos e conservadorismo religioso inócuo, pelas crescentes intolerâncias, violências domésticas, particularmente, com abomináveis ocorrências de feminicídio.
O momento atual exige autocrítica, cuidados, atenção e empenhos para serem alcançadas legislações adequadas aos novos contextos. É indispensável, sobretudo, conversão pessoal para alavancar as necessárias mudanças e se viver tempos com mais civilidade e solidariedade. É hora de investir na superação dos sinais preocupantes, os riscos de tiranias.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Ilustração: Jornal Estado de Minas