Esta interrogação, simples na sua formulação, tem uma profunda raiz de significação na vida de cada pessoa. Em consequência, uma função determinante na configuração do tecido social e político que sustenta a vida da sociedade. Interrogação que direciona a consciência, núcleo recôndito e alicerce de toda conduta, ao esplendor da verdade. A verdade é que ilumina a inteligência e modela a liberdade de cada pessoa. E a luz da verdade tem que ser a da consciência.
Este questionamento - ‘que devo fazer de bom?’ - é parte importante do diálogo de Jesus com o jovem rico, como narra o evangelista Mateus no capítulo 19. A resposta de Jesus compartilha de modo vivo e incisivo o seu ensinamento moral. Jesus reage à interpelação do jovem com uma pergunta: ‘por que me interrogas sobre o que é bom?’ Depois faz uma indicação essencial dizendo que ‘Um só é bom’. O Mestre completa apontando o cumprimento dos mandamentos para lograr a conquista da vida eterna.
Esse diálogo não trata apenas de normas e regras. Em questão está a plenitude do significado para a vida. Na sua Carta Encíclica Splendor Veritatis, de agosto de 1993, o Papa João Paulo II afirma que “esta é efetivamente a aspiração que está no âmago de cada decisão e de cada ação humana, a inquietude secreta e o impulso íntimo que move a liberdade”. O Papa sublinha um aspecto essencial que precisa ser adequadamente considerado quando analisamos a deterioração moral e suas consequências nefastas na vida da sociedade contemporânea.
Trata-se da intuição que o jovem interlocutor de Jesus percebe no nexo existente entre o bem moral e a plena realização do próprio destino. A ausência desta percepção é um risco e pode causar grandes prejuízos. É indispensável cultivar e mover-se por um forte fascínio pelo bem moral. Sem dúvida, neste diálogo, foi a pessoa de Jesus que suscitou no jovem o fascínio pelo bem moral. Por isso mesmo, essas interrogações tornam-se saudáveis e indispensáveis. Caso contrário, se transitará por meio das “mentirinhas”, também moralmente condenáveis, passando por enganações graves, pelas capas de conduta ilibada cobrindo, na verdade, atos espúrios, até o habituar-se a viver por trás dos espectros do egoísmo e da incapacidade de fazer o bem.
Os múltiplos e diferentes âmbitos da vida humana devem reger-se por sólidos ensinamentos morais que, à luz de valores consistentes, devem iluminar e incidir sobre as exigências morais nos âmbitos da sexualidade humana, da família, da vida social, econômica e política. Nesse sentido, a Igreja Católica tem uma tarefa missionária no usufruto do seu patrimônio moral, para ser indispensável contraponto junto a determinadas concepções antropológicas e éticas presentes em pensamentos que desarraigam a liberdade humana da sua relação essencial e constitutiva com a verdade, conforme adverte o Papa João Paulo II.
Assim, é preciso estar na pauta existencial cotidiana o interrogar-se sobre o bem, especialmente sobre o que se deve fazer de bom. Em última análise, isto significa remeter-se a Deus, plenitude da bondade. Esse é o significado da indicação de Jesus ao jovem quando diz que um só é bom. A referência a Deus e a consideração da própria vida no dia a dia, suas exigências, necessidades de correções, anseios de compassos na dinâmica da justiça e da paz apontam a importância determinante da vida moral.
É importante ter presente que sem uma vida moral autêntica e qualificada, nenhuma pessoa pode progredir na sua verdadeira humanidade. A interrogação - ‘que devo fazer de bom?’ - é um rico caminho para configurar e cultivar a própria consciência moral.
Na Constituição Pastoral, Gaudium et Spes, do Concílio Vaticano II, encontra-se uma menção de grande importância quando diz: “No fundo da própria consciência o homem descobre uma lei que não se impôs a si mesmo, mas à qual deve obedecer; essa voz, que sempre o está chamando ao amor do bem e a fuga do mal, soa no momento oportuno, na intimidade do seu coração: faze isto, evita aquilo. O homem tem no coração uma lei escrita pelo próprio Deus: a sua dignidade está em obedecer-lhe, e por ela é que será julgado”.
É preciso cuidar para evitar e superar toda decomposição da consciência moral. Os prejuízos são enormes. O exercício simples e diário é dar voz à interrogação acerca do bem que se deve fazer. O exercício é simples. Complexo é o fenômeno da consciência quando se consideram a esfera psicológica e afetiva, os influxos sociais e culturais do ambiente. O santuário da consciência não pode perder sua sacralidade, configurada pelo gosto moral de ser bom. Esta é a condição para os avanços esperados e indispensáveis para sustentar os inteligentes avanços contemporâneos.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte