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Presos em um “mundo fechado”

O Papa Francisco adverte sobre o risco de se viver em um “mundo fechado” - prisão a céu aberto. Esta advertência é sublinhada com sabedoria no primeiro capítulo da Carta Encíclica Fratelli Tutti, que merece ser constantemente revisitado. As jaulas que configuram este “mundo fechado” são consequências do comprometimento da política, que pede atenção e zelo de todos os cidadãos. A política é um caminho para superar aprisionamentos da humanidade, merecendo, pois, dedicação especialmente dos cristãos, que têm a inarredável tarefa de marcar a sociedade com o sabor do Evangelho de Jesus Cristo. Assim, os discípulos de Jesus devem partilhar o compromisso de exercer a cidadania contribuindo para que a política promova a fraternidade universal. Infelizmente, a humanidade não aprendeu a alcançar novos modos de integração, mesmo padecendo com guerras. Muitos fatores contribuem para esse fracasso, com especial destaque para a corrupção que contamina decisões nas instâncias de poder.

Em nome de interesses ideologicamente contaminados, deixam de ser assumidas responsabilidades no horizonte da ética. Essa contaminação prejudica a necessária cooperação entre as pessoas para superar divisões e promover a paz. A consequência é o cenário preocupante descrito pelo Papa Francisco: o reacender de conflitos que tornam cada vez mais distante a prevalência da harmonia entre todos que vivem no planeta. Quando se perde o parâmetro da ética, perde-se também o sentido social indispensável para alicerçar a paz e os entendimentos promotores da unidade. Convive-se com o crescimento de posturas egoístas, de países e pessoas, com o abandono perverso de pobres, refugiados e migrantes. Uma situação que leva ao caos. A restrita defesa dos próprios interesses, de modo insensível às necessidades do semelhante, obscurece a visão do ser humano, que não consegue ver e trilhar o caminho do amor, da justiça e da solidariedade. Apenas sinaliza para as sombras de um “mundo fechado”.

A lógica do egoísmo e da defesa mesquinha dos próprios interesses prejudica o ser humano a enxergar-se como pertencente e corresponsável pelos caminhos da humanidade. É também por isso que são defendidas as chamadas “regras do mercado” – comumente esbanjador, indiferente aos que sofrem com a injustiça. Em reação ao egoísmo que configura o “mundo fechado”, o Papa Francisco orienta o ser humano a “abrir-se ao mundo”. Mas o Santo Padre adverte: a expressão “abrir-se ao mundo” não pode se restringir ao significado atribuído pelos campos da economia e finanças.  A “abertura” almejada não é aquela indicada pelos interesses dos poderes econômicos. Trata-se de ampliar horizontes da compreensão, para saber reconhecer e priorizar o bem comum. As lógicas do mercado podem até impressionar por sua capacidade de gerar lucro, mas revelam-se incapazes de consolidar na humanidade o sentimento de que todos são irmãos e irmãs uns dos outros. Ao invés disso, o que fazem é fragilizar a política, submetendo-a aos interesses dos que dominam a economia, desconsiderando o bem e a dignidade da maior parte da população.

Há uma clara desconsideração a respeito do que poderia levar a entendimentos e a escolhas orientadas para o bem comum. Dentre as consequências graves está a falta de respeito em relação à história, evidenciada pela atitude de muitos jovens que desconsideram as riquezas humanas e espirituais herdadas de outras gerações. Uma situação que tem levado à perda da consciência cidadã e da capacidade para enxergar sentido na própria vida. Sem consciência cidadã e incapaz de enxergar sentido na vida não se consegue reconhecer que a busca pela fraternidade universal é ponto de equilíbrio para as relações sociais e políticas. Esta busca é antídoto para superar manipulações político-partidárias, segregações, discriminações e exclusões.

Compreende-se que a superação das sombras de um “mundo fechado”, cenário de conflitos que se multiplicam, pede investimentos na boa política - eficaz serviço de promoção da paz.  Na sociedade brasileira, o cenário político é muitas vezes marcado pelas confusões e disputas figadais. Consequentemente, constata-se falta de competência para intuir caminhos novos na busca por solução de problemas graves. A “boa política” é fruto da dedicação dos cidadãos, além de candidatos e partidos. Preste-se atenção na recomendação do Papa Francisco, apresentada na mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2019: “A política é um meio fundamental para construir a cidadania e as obras do homem, mas, quando aqueles que a exercem não a vivem como serviço à coletividade humana, pode tornar-se instrumento de opressão, marginalização e até destruição”. Seja tarefa cidadã a construção da “boa política”, instrumento para dissipar as sombras de um “mundo fechado”.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

 

Ilustração: Jornal Estado de Minas

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