O compromisso de partilhar o dom da vida, dádiva sagrada de Deus, é o horizonte para responder a esta questão: “por que servir mais?”. A medida dessa oferta se alarga, sem limites, para o cristão na incansável missão de contribuir para a edificação de uma sociedade fraterna e solidária. Temos, assim, um longo caminho a percorrer, de diálogos e reflexões, no interno da Igreja, e da Igreja com a sociedade, junto aos irmãos bispos, que me confiaram a missão de presidir a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e com o apoio do povo de Deus. O exemplo é sempre Jesus Cristo, que entrega sua vida para que todos tenham vida, e não dispensa seus discípulos de se dedicarem a fazer o bem. O grande desafio: o seu seguimento.
O porquê dessa pergunta - “por que servir mais?” - se desdobra, ainda, em outro questionamento: “Para que servir mais?”. As urgências da vida, que é dom, exigem providências, respostas, e as comodidades não podem adiá-las. Indicam que o bem, a verdade, a justiça e o amor não podem esperar o amanhã. É preciso encontrar as respostas logo, se comprometer. Ter a necessária disposição para enfrentar sacrifícios, o que exige abrir mão das vaidades, e coragem para além de todo medo, por saber a dimensão do desafio que se apresenta. É preciso trabalhar para a recomposição dos tecidos esgarçados dos relacionamentos e dos funcionamentos da sociedade, em razão das grandes mudanças e das polarizações, para encontrarmos o caminho do respeito, sobretudo da fidelidade aos valores do evangelho. E sem as generosidades, sem a presença incondicional e plena, os projetos e as instituições não se sustentam nem se impulsionam. Sobretudo quando a busca é qualificar as condições de servir e de promover a existência de todos, com especial e urgente atenção aos mais pobres, às vítimas das indiferenças e das violências - tudo o que a vida, dom sagrado, exige para “ontem”.
No horizonte dessas urgências, a cultura contemporânea submerge numa avalanche de complexas mudanças, com essa preocupante configuração de polarizações e extremismos. Realidade que mostra a falta de clarividência, gerando até exigências de tratamento criminal para as incivilidades e desrespeitos à sacralidade da vida. Assim, conjugando-se mediocridade e comodidade, arrisca-se a desistir da missão de servir.
Por razão de fé e cidadania, a comodidade e a indiferença não devem prevalecer sobre as necessidades da vida, que não pode perder a sua inteireza. Torna-se urgente servir mais, oferecer o que se pode a mais, incluir sacrifícios, elevando a altos níveis o altruísmo, que não pode faltar no coração de cada pessoa. A vida só alcança a qualidade de dom na medida em que esse dom é vivido como oportunidade de servir e ser operário de uma construção social, política, cultural e religiosa, sobre os alicerces da verdade, justiça e do amor.
Põe-se aqui relevante questão ética no sentido de balizar ações, conceitos, e suas consequências: a responsabilidade de cada indivíduo ante a seriedade de suas posições, escolhas e pronunciamentos, pois a complexidade do momento pode gerar medos e acovardar posturas. Quando se decide por “servir mais” é imprescindível pensar, corajosamente, sobre a oportunidade de se trabalhar por um novo momento civilizatório, considerando a importância de uma ampla reconstrução sócio-cultural-antropológica.
Urge, pois, a configuração de um novo momento. Este é possível! Requer coerência e destemor, ancorados na fidelidade ao Evangelho de Jesus Cristo, numa vida com força testemunhal e irretocável credibilidade, avançando na direção do bem e da verdade. Presidir a CNBB é uma missão especial, pois somos bispos, chamados por Jesus Cristo, para ajudar a humanidade a se abrir ao amor de Deus. Nosso compromisso é servir sempre mais. Vale relembrar as palavras de São Martinho de Tours: se precisam de mim, não recuso trabalho.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Ilustração: Jornal Estado de Minas