Os sinais são evidentes: a política retoma seu lugar de destaque na vida cidadã. Uma situação que gera esperança, pois o contexto político, graças aos aproveitadores, extremistas e oligarcas que contaminaram o cenário partidário, perdeu sua credibilidade. É preciso, assim, resgatar o genuíno sentido da política: a mais nobre forma de se praticar a caridade, compromisso, acima de tudo, com o bem comum. O interesse crescente pela política é broto de esperança, que exige longo cultivo e certos cuidados. A participação do povo na definição dos rumos da sociedade brasileira deve ser fundamentada no entendimento de que governos não devem estar a serviço de interesses específicos, pouco nobres, mas de toda a coletividade, especialmente dos mais pobres. Percebe-se que a política faz parte da ordem moral.
Há um envolvimento participativo crescente, especialmente dos jovens, nas discussões sobre o futuro do país. Mas isso não necessariamente significa a garantia de novos caminhos para a sociedade brasileira. Procurar o bem comum, a partir de meios adequados, deve ser o objetivo de todos. Uma atitude que requer a elaboração de novos entendimentos, distantes de mentalidades que se ancoram em escolhas moralistas, mas sem qualquer consistência moral.
Merece reflexão o fato de o interesse pela política ainda permanecer refém da configuração partidária, que tem pouca credibilidade. Hoje, em razão desse descrédito, as legendas não podem ser mais critério para a definição nos sufrágios eleitorais, especialmente quando se considera o perigo de polarizações, preconceitos e extremismos - contexto hostil que causa desentendimentos entre cidadãos, nas próprias famílias. Vale analisar cada candidato a partir de seu compromisso com a ética, e assim configurar, com clareza, os critérios que devem nortear escolhas de nomes e propostas.
Aos que vão submeter seus nomes à escolha do eleitor, não basta simplesmente reproduzir jargões ou gestos, nem maquinalmente propagar acusações a respeito do adversário. Requer-se profundo compromisso com os valores do Evangelho de Jesus Cristo, no seu horizonte adequado do cristianismo. Isso significa, por exemplo, distanciar-se de perspectivas interesseiras, que resultam em bancadas parlamentares, meio para se alcançar objetivos particulares, na contramão do bem comum. Todos os cristãos devem se dedicar a uma cuidadosa avaliação das candidaturas, antes de fazer suas escolhas, para evitar que, mais tarde, sejam ainda mais recorrentes os episódios de violência.
A sociedade precisa alicerçar-se em valores e princípios que não podem servir apenas de jargões nos diferentes discursos de candidatos. Esses valores devem ser assumidos como compromissos, até de modo formal, para possibilitar ao eleitor acompanhar o cumprimento do que é prometido. O contexto exige que os cidadãos busquem avaliar nomes, conjunturas e propostas com muita atenção, com uma lupa, para que sejam escolhidos aqueles que verdadeiramente serão capazes de articular os valores intocáveis da democracia, da família e da vida. Vale especialmente considerar a competência individual de candidatos para arquitetar consensos e entendimentos, para além das estreitezas do universo partidário.
As decisões não podem ser definidas por critérios partidários, pois, atualmente, as siglas não têm a credibilidade necessária. É o que as urnas revelaram no primeiro turno. Que seja observada a competência dialogal e humanística dos candidatos, para que as escolhas não se transformem em “um tiro pela culatra”. Há, pois, um desafio para os cristãos, especialmente os cristãos católicos: discernir sobre determinadas pautas que aparentam ser coerentes com seus valores, mas na realidade podem representar o risco de abrir descaminhos e desrespeitos, pelos estreitamentos e polarizações em curso. Nesse processo de amadurecimento das escolhas, o debate tem lugar importante.
O mínimo que se exige é o debate público das propostas, para que pontos de vista sejam evidenciados e não se corra o risco de comprar “gato por lebre”. Só mesmo a participação cidadã de eleitores e candidatos, à luz da ética e de valores coerentes com o Evangelho, poderá fazer com que o interesse atual pela política não seja mero protesto, ou uma paixão passageira. A participação cidadã precisa ser momento de recriação da sociedade brasileira. Para isso, devem ser observados critérios, a exemplo dos que são oferecidos pela Doutrina Social da Igreja Católica, que não constitui “bancadas” a partir de interesses cartoriais. A Igreja Católica luta pela verdade, pela justiça e pelo bem de todos.
A Igreja Católica não indica nomes ou partidos, mas oferece critérios, com força e lucidez, para que sejam feitas as melhores escolhas, entre os nomes possíveis. A divulgação desses critérios, fundamentados no Evangelho, já estão auxiliando os cidadãos a tomarem decisões acertadas. Que sejam inspiradores os ensinamentos de Jesus nos processos de discernimento, para que a política, na pauta cidadã, consolide-se como broto de esperança.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte