Os desdobramentos dessa tragédia exigem repensar definitivamente a vocação e o destino das Minas Gerais, diante do risco de novas irresponsabilidades recaírem sobre a população em forma de desastres ainda mais graves. Impõe-se a necessidade de um direcionamento novo, fora dos parâmetros da ganância e até mesmo da justificativa de que a economia do Estado só se sustenta e avança por meio dessas atividades. Tarefa que deve ser assumida, com urgência, pelo Governo do Estado, prefeituras, Poder Legislativo e setores privados - especialmente o minerário - mas, principalmente, pelos órgãos de controle público. É indispensável que sejam ouvidas as vozes sensatas de igrejas e outros segmentos sérios e representativos da sociedade.
Agir a partir de compreensão simplista sobre a geração de riquezas e empregos, sem considerar a complexidade da realidade, gera consequências devastadoras. É, incontestavelmente, “assinar atestado de incompetência”. É comodismo e falta de inventividade para a necessária produção de bens.
No horizonte desenhado por essa tragédia, os representantes do povo no poder público têm o compromisso moral de redirecionar a história minerária do Estado de Minas Gerais. Uma história controversa. Para além da lucratividade e dos benefícios apresentados como decorrentes da mineração, exige-se um ordenamento jurídico novo, não apenas fundamentado no rigor das burocracias para licenciamentos, mas fruto de um entendimento que a lucidez da Carta Encíclica Laudato Si’ - sobre o cuidado da casa comum, do Papa Francisco, trata com inigualável propriedade. O documento traça o horizonte de transformações radicais e de mudanças urgentes em procedimentos e atividades, e no compromisso de consertar, no ambiente e na vida das pessoas, o que absurdamente já se tem produzido.
A voracidade das atividades minerárias, fermentada pelo entendimento que configura a economia - com os royalties pífios em comparação com outras atividades, como a petroleira bilionária que cega a honestidade de políticos, empresas e outros -, há de ser controlada definitivamente. Há caminhos para isso. Ações são possíveis. Segmentos da sociedade têm voz e poder para intervir e dar novos rumos a essa história, agora, ainda mais, reforçados pelo ocorrido no distrito de Bento Rodrigues. Tragédia que também anuncia outras catástrofes, como “bombas-relógio” a explodir a qualquer hora.
É exigência lançar o olhar compassivo e politicamente indignado sobre esses cenários todos, para garantir atuação corajosa de movimentos e instituições em defesa e salvaguarda do ambiente. Caso contrário, ao satisfazer os ditames cegos da economia, a consequência será a destruição e o caos. As possibilidades de vitória são reais. São exemplares a conquista do Movimento SOS Serra da Piedade, o comprometimento da Arquidiocese de Belo Horizonte e o ato de lucidez governamental impedindo o absurdo da continuidade da atividade mineradora na região. Pode-se ver, hoje, os cenários de desolação, verdadeiras ameaças ao mais importante monumento histórico, paisagístico, cultural e religioso dos mineiros, a Serra da Piedade, o Santuário da Mãe da Piedade, Padroeira de Minas.
Uma grande frente de solidariedade cuida dos que sofrem as consequências do desastre, atendendo urgências e necessidades. E os responsáveis pela tragédia? Devem ressarcir as perdas. Parem tudo, não importam os prejuízos econômicos. Que encontrem outros meios mais justos para a sustentação da economia. Parem tudo e busquem a lucidez capaz de compreender a ecologia integral, inteligentemente indicada no capítulo quarto da Encíclica interpelante do Papa Francisco. Diante dos problemas atuais, é necessário “um olhar que leve em conta todos os aspectos da crise mundial e que nos detenhamos a refletir sobre os diferentes elementos de uma ecologia integral, que inclua claramente as dimensões humanas e sociais”. Essa deve ser a palavra de ordem para que o povo não sofra com outras ondas de lama.