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O remédio da moralidade

Dom Walmor Oliveira de Azevedo

O salmista, no salmo primeiro, canta um hino que é retrato verdadeiro do anseio mais nobre e profundo do coração humano. É aquele desejo instalado no mais recôndito da consciência – embora na contramão dos enormes desafios e seduções que corroem propósitos e o compromisso honesto de fazer o bem, praticar a justiça e o viver por amor. O salmo primeiro reza: “Feliz quem não segue o conselho dos maus, não anda pelos caminhos dos pecadores, nem toma parte na reunião dos zombadores, mas na lei do Senhor encontra a sua alegria e nela medita dia e noite. Ele será como uma árvore plantada à beira de um riacho, que dá fruto no devido tempo; suas folhas nunca murcham; e em tudo quanto faz sempre tem êxito. Os maus, porém, não são assim; são como a palha carregada pelo vento. Por isso não poderão enfrentar o julgamento e os pecadores não terão vez na reunião dos justos. Pois o Senhor protege a caminhada dos justos, mas o caminho dos maus leva à desgraça”.

No reverso da permissividade tão comum nos dias de hoje está, certamente, o apelo sedutor de ‘ser como uma árvore plantada à beira de um riacho dando frutos no devido tempo’, como canta o salmista. A moralidade, incontestavelmente, emoldura o homem, em sua condição de ser moral, prezando regras, prescrições, critérios e valores. O contrário da permissividade que esvazia e desfigura, está o desejo maior e a necessidade premente da moralidade. Aqui se localiza o autêntico governo do agir e da conduta humana. Só a moralidade resgata a inteireza do agir humano. Não se pode viver sem referências e balizamentos.

O fenômeno midiático em torno da realidade horrenda e abominável da pedofilia, por seu alto grau de patologia, pode ser também um grito para expressar o desejo e a necessidade de recuperar os valores norteadores da verdadeira conduta humana. A sociedade não se sustenta apenas com o seu organizacional. A moralidade é a alavanca sustentadora das sociedades, das instituições familiar, governamental e religiosa.

Ora, compreende-se bem porque gera revolta saber que sacerdotes, consagrados, são os responsáveis por atos tão doentios. Quando alguém se consagra no sacerdócio a serviço do Povo na Igreja, o importante não é simplesmente sua competência profissional, fruto de conquistas acadêmicas. A importância do sacerdote há de ser proporcional à moralidade dos seus atos, escolhas e comportamentos. Torna-se inadmissível a traição de uma confiança depositada e a negação do mais essencial na vida de quem ocupa o lugar, exerce a função e se torna referência insubstituível, exatamente, por sua moralidade.

A traição e negação dessa condição instauram uma crise de enormes proporções. Ainda que se saiba que a pedofilia não é uma patologia que envolve tão somente sacerdotes, ou que a porcentagem entre os acusados é a menor … Ainda que estes religiosos sejam também minoria entre os seus pares, que contam milhares e são dignos, não ameniza a decepção e a crise. As reações sinalizam a necessidade e a exigência de não contemporização. A coragem da tolerância zero indica que não se pode continuar adiante na sociedade sem referências ilibadas de moralidade. Incluindo, nesse caso, o padre, considerado no seu sacerdócio, como dom para a Igreja e a sociedade também.

As proporções da crise instaurada focalizam o centro do horizonte do Ano Sacerdotal, convocado pelo Papa Bento XVI (de 2009 a 2010), tendo como meta principal a renovação interior do ministério sacerdotal – a moralidade. A importância do sacerdócio ministerial da Igreja Católica, o padre a serviço do Povo na Igreja e na sociedade, não pode admitir desfigurações morais de qualquer tipo, particularmente quando se trata desse horror da pedofilia. O sacerdote representa Cristo, lembrou o Papa Bento XVI, na sua catequese compartilhada durante a audiência geral desta semana. O sacerdote, por sua consagração, age na própria pessoa de Cristo Ressuscitado, que se faz presente com sua ação realmente eficaz.

Nessa representação, o sacerdote tem três funções que a Tradição identificou na missão do Senhor Jesus: ensinar, santificar e governar. Significam as mesmas três ações do Cristo ressuscitado. A estatura que o sacerdote deve ter, exige uma envergadura moral tecida de modo qualificado, direito dos destinatários do seu serviço ministerial. A força moral é coluna mestra da conduta e exercício de todo e qualquer tipo de cidadão. Do sacerdote se espera ainda mais nesta finalidade em razão do mandato do Senhor a quem ele representa. Sendo sua tarefa primeira a oferta concreta do remédio da moralidade.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

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