Causam perplexidade a crescente violência e a força destruidora das indiferenças. As perseguições e o gosto mórbido de se destruir reputações ou tratar, com espetacularização, a condição humana são graves ameaças. E diante deste turbulento cenário, ainda surgem figuras que se apresentam como a “força da moralização”, mas agem com truculência e se autopromovem a partir da disseminação de notícias falsas, criando confusões e semeando desarranjos. Há, assim, uma retroalimentação das hostilidades, disputas, revides e, de modo preocupante, do espírito doentio daqueles que querem ver “o circo pegar fogo”.
Constata-se que o coração das pessoas, projetado para ser da paz, se transforma em lugar que abriga sentimentos de vingança, de apreço ao banditismo. Distancia-se, assim, do sentido humanístico indispensável para alimentar a fraternidade e a solidariedade. O processo crescente de desumanização conduz a sociedade ao colapso. Os cenários são de guerra, o que é comprovado pelas estatísticas sobre homicídios provocados pela falta de compromisso com a sacralidade da vida do outro, que é irmão.
Na contramão da indispensável e urgente sensibilização humana, o que se verifica é um processo de petrificação dos corações, uma patologia. Afinal, quem cultiva o hábito de praticar maldades é doente. As práticas que, apesar de sedutoras, levam pessoas e instituições ao fracasso, são também indicações do grave sintoma da devastação das referências humanísticas. Há uma perda de limites: as consequências dos atos inadequados e imorais sequer são consideradas. Isso decorre da falta de compromisso com a honestidade. A probidade, que deveria ser norteadora de condutas, não tem seu valor reconhecido.
Uma sociedade vivida neste horizonte confuso não tem força para recuperar-se de crises. Carece de sabedoria para reencontrar caminhos e respostas. E as pessoas não conseguem perceber o sentido e o alcance da vida como dom. Pelo contrário, as condutas ficam emolduradas pelos estreitamentos humanísticos que levam a cidadania a ser palco de teatralizações. Consequentemente, a vida cotidiana distancia-se da felicidade, possível quando todos se reconhecem como pertencentes a uma grande família – todos se percebendo como irmãos uns dos outros.
É preciso um remédio que tenha força de ação no coração humano. É lá que reside o problema. Chegue, pois, aos corações, o remédio da compaixão, capaz de fazê-lo sede da experiência do amor. Os processos que tendem a brutalizar o coração humano precisam ser debelados. Isso inclui investimentos em segurança pública, legislações, infraestrutura e, principalmente, promover, no ambiente familiar, religioso, entre tantos outros, o remédio da compaixão. A compaixão permite o desenvolvimento de competências, de responsabilidades, a recuperação do sentido de irmandade, a alegria do pertencimento a um povo, o gosto de zelar por seu patrimônio e o comprometimento com aqueles que precisam de ajuda. A patologia do embrutecimento, por sua vez, leva à perda do sentido mais profundo da vida, causando sequelas e trazendo prejuízos preocupantes - mortes, suicídios, violências de todo tipo, indiferenças destruidoras. Por isso mesmo, precisa ser tratada com o remédio da compaixão.
A compaixão não é fraqueza, menos ainda conivência com os erros que requerem penas e correções. A aprendizagem e a prática da compaixão, legado próprio da espiritualidade cristã, é o remédio que trata o coração humano, fonte inesgotável para se lavar e se purificar. É preciso reconhecer-se como necessitado desse remédio. Vivenciar a Semana Santa, seguindo os passos de Jesus Cristo - a compaixão - é tomar esse remédio para curar-se de muitos males, caminho para se tornar agente construtor de uma vida nova, de um tempo novo e um exercício que permite educar o coração para reconhecer a importância do outro, principalmente de quem é pobre e indefeso.
Limpar o coração de mágoas que geram vinganças e ressentimentos. Cultivar o gosto pelo bem e pela verdade. Compreender a vida como dom. Abrir um ciclo novo para a própria vida, na vivência e celebração da Semana Maior, a Semana Santa. Eis o convite: o remédio da compaixão!
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Ilustração: Jornal Estado de Minas