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O milagre de Copiapó

Dom Walmor Oliveira de Azevedo

“Milagre de Copiapó” é o milagre técnico, humanitário e de fé que, depois de engenhos, tecnologias aplicadas e devotamento profissional, acompanhado por pelo menos um bilhão de expectadores durante 69 dias, de 5 de agosto a 13 de outubro, alcançou a vitória de salvar a vida de 33 mineiros. O mundo se voltou para a mina São José, no deserto do Atacama, no Chile, para comprovar o milagre que coroou a técnica com incalculáveis dimensões ricas em humanidade, fecundada pela força inigualável da fé. O testemunho de um dos mineiros, o mais velho, com problemas de saúde, é uma lição de valor inestimável para o combate da insensatez de posturas que complicam as relações sociais e políticas, e contra a manipulação de leituras e interpretações de fatos, instituições e da vida de pessoas. Ele disse: “Estive com Deus e com o diabo, e lutei. Deus venceu. Agarrei-me na melhor mão e em nenhum momento duvidei que Deus iria me tirar daqui”.

 
A consciência clara de estar com Deus e com o diabo, a 700 metros de profundidade, no fundo da mina, na luta interior, como um ‘Jacó dos tempos modernos’, remete à referência que cria possibilidades de se superar toda pretensão, meramente humana, dar equilíbrio às brigas e interesses ideológicos, devolvendo primazia aos princípios éticos. Dar primazia aos princípios éticos é propriedade da fé vivida com autenticidade. Não necessita ancorar-se na desmoralização do outro e na possibilidade de galgar degraus em pesquisas e reconhecimentos com a produção do desprestígio ridículo do outro. 
 
“Obrigado, Senhor” estava escrito na camisa dos mineiros resgatados. Dois vocábulos, na verdade um tratado de gratidão e de referência a Deus, síntese de uma expressão tão simples e densa na sua extensão e significação. Nas costas dos resgatados, uma referência – Salmo 95, 4 – confissão ao único Senhor de tudo, Deus, devolução do ser humano à realidade mais concreta de sua condição, seja lá no fundo da mina, no coração da política, na rotina do cotidiano ou na vida familiar: “Na sua mão estão os abismos da terra, são suas as alturas dos montes”. Todos os presentes: técnicos, voluntários, profissionais diversos, governantes de nações e familiares, foram iluminados por uma realidade que ultrapassa a possibilidade de estreitamento da vida com todas as suas circunstâncias aos parâmetros da mesquinhez de querer vencer passando por cima do outro, de alcançar propósitos em si de valor incontestável, à custa da desmoralização e desprestígio do adversário. 
 
Esta iluminação que se configura com faíscas de humanitarismo, de profissionalismo e de fé deve servir para iluminar também o momento eleitoral que mobiliza a sociedade brasileira. Essa iluminação precisa, com a força do testemunho de humildade e confiança em Deus, demover os que se consideram mais iluminados do que os outros por levá-los a declarações reveladoras de rupturas internas em grupos e instituições, produzindo o absurdo do distanciamento de princípios e valores, permitindo um resvalar por direções pouco construtivas. É hora de parar com a construção de uma campanha eleitoral que não deve se tornar processo difamatório para convencer o eleitorado. É hora de manter um nível adequado e nobre à altura do cargo da presidência da República, bastando caminhar pela via que leva ao debate sobre propostas de governo, convencendo os eleitores por meio de propostas discutidas em programas, e não simplesmente em promessas. 
 
É hora de mais inteligência fecundada pela humildade e confiança em Deus que o deserto vivido no fundo da mina São José produziu como sabedoria no coração daqueles mineiros. É hora, e já passou da hora, da recuperação, por parte de membros da Igreja Católica, do seu lugar ético: orientar e influenciar no processo eleitoral, longe de manipulações de caráter partidário e de uso tendencioso de pronunciamentos para prejudicar um candidato em favor de outro. É hora de corrigir, ainda há tempo, equívocos em pronunciamentos e manipulações que vão destruindo a possibilidade do diálogo civilizado e a partilha de entendimentos que devem anteceder àqueles que se localizam no âmbito partidário ou na simples simpatia pessoal e ideológica. É hora de todos os cristãos se deixarem iluminar pela fé e confiança, como as professadas pelos mineiros do deserto do Atacama, congregados e entrelaçados pela compreensão de que os princípios e valores cristãos incluem a fidelidade à vida, a defesa e a promoção de sua dignidade em todas as etapas: desde a fecundação até o declínio com a morte natural. E, tudo isso, sem prescindir de ações que possam, com mais rapidez, arrancar os pobres da miséria, consolidar processos e estratégias sociais que concretizem uma condição social digna da vida humana. 
 
No conjunto rico dos critérios e normas advindos da fidelidade devida aos valores cristãos, incluem-se a defesa da vida e o compromisso com os pobres para que semelhante ao milagre de Copiapó se assista e se viva, de fato, o “milagre do Brasil”.
 
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
 
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