Como uma luz que se esparge conferindo claridade própria, o silêncio da paixão de Jesus é um eco lancinante que alcança o mais íntimo da consciência humana. É um eco sonoro na contramão de tanto barulho e de tanta necessidade vazia de pronunciar palavras, de contar coisas que empurram as mentes para o pensamento e a fala a respeito de tudo, sobre todas as coisas, até mesmo sobre o que não é da própria conta. Há um silêncio, só ele, por isso precioso, e muitas vezes doloroso, que recupera o sentido verdadeiro da vida. Faz compreender o mistério e capacita para a contemplação do mistério do amor que liberta, devolve a esperança e constitui, com propriedade, a dignidade maior: ser filho e filha de Deus. Daí decorre o compromisso determinante da fraternidade e o empenho pela configuração do tecido vital da solidariedade que cura feridas, recompõe cenários e salva vidas.
Uma das cenas mais excitantes da narração do evangelista Lucas é sobre a paixão, morte e ressurreição de Jesus, no capítulo 23 do seu Evangelho: “Herodes ficou muito contente ao ver Jesus, pois havia muito tempo que desejava vê-lo. Já ouvira falar a seu respeito e esperava ver algum milagre feito por ele. Interrogou-o com muitas perguntas. Jesus, porém, nada lhe respondeu”. O diálogo com Deus se interrompe com os exageros insuportáveis de arbitrariedades. Não dialoga com Deus quem se encapa em perversidades de todo tipo. Há um silêncio que ecoa lancinante. Não é o silêncio de Deus. Impossível pensar uma indiferença por parte Dele. É a pedagogia divina convocando a uma escuta mais profunda. Quando o mistério é grande demais, a atitude mais justa é silenciar. O silêncio é uma indispensável escuta que escancara portas para um diálogo fecundo. Capacita para ouvir a dor dos outros, corrige superficialidades que dão passagem para absurdos no tratamento da vida, incapacitando a compreensão de toda a sua importância e grandeza de dom.
Na contramão dessa direção desfilam os horrores da miséria que assola porção significativa da humanidade; a violência que seduz o coração de jovens, criando o gosto nefasto pelos extermínios que enlutam famílias, sociedades e nações. Multiplicam-se os descasos e decresce na consciência moral cidadã a preocupação comprometida com a verdade, que levam muitos a sustentarem mentiras como se fossem verdades. A procederem mal e inadequadamente, e ainda se achar no direito de convencer os outros de que tudo é normal, é comum. Há, pois, um resgate que reclama urgência, revelada na incapacidade de produzir legislações que recomponham educativamente a civilidade e sua configuração ética. É uma urgência que só mais tarde torna público que suas escolhas foram equivocadas, elegendo respeitos que deflagraram os absurdos do armamento; a vitória de uma pergunta capciosa, com o intuito de colidir com os horizontes iluminados pelos valores do Evangelho que, por preconceito e estreitamento, são tachados como razão de obscurantismo das instituições que se confessam fiéis a eles.
O silêncio da paixão de Cristo é escutado e tem ecos nos corações quando se ouve a narração do evangelista João (capítulos 18 e 19), como se faz na tarde da Sexta-feira Santa em todas as igrejas e capelas do mundo inteiro. É um exercício que, feito atentamente, faz reconhecer - pela escuta em assembleia, ou mesmo em meditação familiar ou individual - que esse silêncio é um caminho fecundo para se alcançar o coração do mistério do amor que redime. Que dá a lucidez precisa, com força insubstituível para enfrentar o sofrimento humano. Para suportar a dor que machuca e manter fumegante a chama da esperança pela vitória definitiva da vida sobre a morte, com a ressurreição do Salvador do mundo.
Não há outro horizonte que recorda como é amplo o sofrimento de homens e mulheres, bem como a sua complexidade, maior do que a doença, uma realidade enraizada em todos. É doloroso o sofrimento físico, assim como o é o sofrimento moral. Há muita dor do corpo. Não menos dolorosa é a dor da alma. Porém, há um remédio inexorável que se deve buscar para curar essas dores. Sua cura não perpetua as circunstâncias do tempo. Tudo passa! O silêncio da paixão é repleto da agonia de Jesus no Getsêmani, da agonia da traição anunciada na última ceia, da dor que vem do escárnio e da indiferença, da iniquidade de julgamentos preconceituosos e desonestos. Tudo terminou quando, então, Jesus deu um forte grito e expirou. Não é o fim. É o começo de um novo tempo. Do tempo definitivo, com sua morte e ressurreição. É hora de se debruçar, com esperança, sobre a própria dor e sobre as dores da humanidade. Este é o tempo propício para o remédio do silêncio da paixão.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte