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Novos estilos de vida

Dom Walmor Oliveira de Azevedo

As recentes tragédias – o rompimento devastador de barragem na região de Mariana e os ataques terroristas em Paris -, que contracenam com outros acontecimentos terríveis, mostram a urgência de se buscar novos estilos de vida. Mudar a mentalidade é indispensável, sob pena de sermos surpreendidos por muitos outros prejuízos, ataques e descompassos na vida social e política. Somente com transformações profundas será possível alcançar novos estilos de vida, presididos sempre pela busca do belo, do bom, do bem e da comunhão. As novas posturas devem ser capazes de regrar o consumo e a acumulação compulsiva de riquezas. Têm que ser pautadas e inspiradas pela sobriedade, temperança e autodisciplina, no plano social e pessoal.

É indispensável sair da lógica do mero consumo para se alcançar formas de produção, agrícola e industrial, que priorizem o respeito ao meio ambiente e as necessidades fundamentais de todos. Torna-se fundamental investir na compreensão e na vivência de uma ecologia integral.  Na contramão desse entendimento e prática, bombas-relógio continuarão ativas, em processo de detonação. Tragédias, embora previsíveis, vão continuar a surpreender a sociedade, em lugares distantes e próximos. É cada vez mais urgente a lucidez de governos e de construtores da sociedade, com a indispensável participação dos formadores de opinião, nos diversos campos do saber e dos serviços, para produzir uma séria avaliação dos acontecimentos.  Trata-se de necessário caminho reflexivo para intuir, de forma inteligente, novos rumos.

As reações diante das tragédias não podem ser concebidas como simples maquiagem de situações ou tratamento superficial dos desastres humanos e ambientais. A política internacional está desafiada diante da barbárie de atos terroristas. Igualmente estão desafiadas as sociedades mineira e brasileira, particularmente governos e envolvidos nas atividades minerárias, diante de um quadro que é terrificante. Há de se imaginar ainda o que não se vê, mas ameaça veladamente a vida de muitos, como uma bomba prestes a explodir.  Situações preocupantes que só se tornam conhecidas quando se manifestam na forma de desastres, a exemplo do que ocorreu durante o rompimento da barragem no distrito devastado de Bento Rodrigues.

Não basta apenas multar. Decretos e a simples “desburocratização” de procedimentos legais e relevantes não incidirão nas raízes do problema. Exige-se mudança profunda em cenários que são produzidos pela falta de critérios, seriedade e discernimentos. Infelizmente, pouco tempo depois de situações graves, corre-se o risco de um relaxamento. Com isso, decisões importantes acabam sob a tutela de quem não tem critérios adequados para fazer avaliações e decidir, pessoas movidas apenas pela visão de aumentar a arrecadação. Preguiçosamente, não há esforço para investir em novos estilos de vida.

O embrutecimento de mentes e corações pela avidez do lucro leva ao entendimento de que é preciso produzir sempre mais, custe o que custar, uma desumanidade avassaladora. Lamentavelmente, essa visão distorcida tende a considerar como “romântica” a atitude cidadã de cultivar gratidão diante do conjunto maravilhoso da natureza, das criaturas todas. Torna-se necessário compreender que o dom ambiental no qual o ser humano está inserido reconduz ao mistério de Deus. A perda desse sentido produz a insolência gananciosa que absurdamente vai passando por cima de tudo, de todos, como um trator. No que diz respeito à nossa Minas Gerais, todos são desafiados – líderes governamentais, segmentos diversos da sociedade -, a repensar caminhos para que a história mineira não fique ancorada no desarvoro minerário, mas no compromisso de se encontrar novos estilos de vida. Isso requer coragem e vontade política, exige um “olhar de lince” sobre todos os aspectos da crise mundial e local, priorizando, acima de tudo, as dimensões humanas e sociais. 

Bem adverte, com simplicidade, inteligência e assertividade, o Papa Francisco na Carta Encíclica Laudato Si’, que “isto exige pensar e discutir acerca das condições de vida e sobrevivência de uma sociedade, com a honestidade de pôr em questão modelos de desenvolvimento, produção e consumo”.  Os cenários de desolação do momento devem impulsionar líderes políticos e empresariais a abrir o diálogo franco e transparente com a sociedade inteira. A escuta da voz que vem das ruas, especialmente dos pobres e dos flagelados, é exercício que produz novos discernimentos. Trata-se de percurso a ser seguido para escrever página nova na admirável história mineira, a partir de novos estilos de vida.

 
 
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
 Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
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