A linguagem é uma força que produz e sustenta os imaginários. Tem força para definir rumos e incidir sobre o tecido da cultura, com o conjunto de hábitos cotidianos, os ritmos de vida, as prioridades e escolhas. A palavra articulada na linguagem tem força criativa, produz sentidos, alavanca os avanços, ou é responsável pelos atrasos, no horizonte das urgências e necessidades da sociedade. Compreende-se que toda fala tem um enorme peso nas circunstâncias da vida. Por isso mesmo é preciso cuidar para falar o que edifica e produz sentido verdadeiro. A vida não se sustenta quando se baseia em falácias ou em compreensões inconsistentes. É importante a dinâmica de falar e escutar para tecer a cultura, alimentar sentidos e formatar imaginários favoráveis na sustentação de uma vida digna para todos. A celebração do Natal, vivida em todo o mundo, precisa de ajustes na linguagem para que se alcance o verdadeiro sentido desse precioso tempo.
O resgate da linguagem do presépio, por exemplo, é um vetor muito importante para que cada pessoa fixe o olhar em Cristo Jesus, o Menino Deus, centro e razão primeira e insubstituível da festa. Os presépios nas igrejas, nas praças, nos museus, nos espaços públicos e no recôndito de cada lar, pela arte e pela beleza, criam a oportunidade de renovar a catequese rica dessa fonte inesgotável de amor. Jesus Cristo, o Filho amado de Deus Pai e único Senhor e Salvador, entra na história da humanidade, assumindo a nossa condição humana, igual a nós em tudo exceto no pecado. A razão amorosa deste gesto é a nossa salvação. Uma promessa e conquista a ser construída já no tempo da vida, por desdobramentos de uma fé sincera e apaixonada, que gera e sustenta gestos de solidariedade, o gosto pela fraternidade e a coragem de dedicar-se na luta pela justiça.
Jesus Salvador vem ao nosso encontro para nos dar vida em abundância. Um gesto exemplar que inclui o compromisso de seus discípulos, os convidados a participar de sua vida plena, na vivência de uma conduta de solidariedade e de oferta de si para o bem de todos. O desdobramento da fé em Jesus e a compreensão solidária de sua encarnação estão na raiz da figura de Papai Noel. A linguagem produzida por interesses outros afastou a compreensão do sentido original. O consumo e a comercialização se apropriaram da figura de Papai Noel para alavancar vendas, interesses que muitas vezes até estão na contramão daquela solidariedade que o Natal significa. De São Nicolau, bispo de Mira, Lícia, no Século IV, são conhecidos relatos e histórias. Até dificulta discernir aquelas autênticas das abundantes lendas associadas à imagem desse santo popular, que foi relacionada e transformada no ícone do Natal chamado Papai Noel.
Nos países de língua inglesa, o Santo é chamado de Santa Claus, ou São Nicholas. Desta tradição, vale resgatar e focalizar os relatos de um homem que se dedicou ao cuidado das crianças carentes, dos pobres e necessitados. São muitas histórias contadas através dos tempos, como a de uma família muito pobre sem condições de custear o casamento das filhas. O bispo Nicolau, à noite, jogou um saco de moedas de ouro e de prata para ajudar a pagar os custos dos casamentos. Ou o socorro aos pobres, em meio a um inverno rigoroso, não lhes faltando o pão necessário. A linguagem em torno da figura de São Nicolau, nas mais antigas tradições, desenha um horizonte de compreensão que privilegia a solidariedade, a alegria de partilhar, o cuidado com os mais precisados, a sensibilidade para perceber a necessidade dos outros e socorrê-los. Na verdade, uma compreensão que precisa ser recuperada.
O ícone de São Nicolau deve sair do domínio daqueles que vivem o Natal apenas como oportunidade para lucrar. Esquecem-se do sentido nobre e rico do nascimento de Jesus, Senhor e Salvador. Natal é tempo de refazer o coração com a generosidade para a solidariedade. Olhar o presépio e Papai Noel deve remeter cada coração ao sentido de fraternidade e partilha. É interessante vivenciar esse tempo pelo olhar de São Nicolau, movido pelo amor do Menino Deus, para enxergar os mais pobres e ir ao encontro deles, solidariamente. Um olhar sobre o mundo marcado pela compaixão e compromisso com o bem. Esta é uma lição perene, aprendizagem constante, que deve ser cultivada no coração e inteligência das crianças, dos jovens, de todos. Um tempo de doação, buscando não um Noel para si mesmo, mas sendo Noel para os outros.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte