A celebração do Natal é de uma densidade espiritual incalculável. Por isso mesmo, a liturgia da Igreja Católica celebra o nascimento de Jesus não apenas em um dia. Vivencia o chamado Tempo do Natal - a Oitava de Natal – oportunidade para todos os cristãos deixarem-se encharcar pela unção deste mistério maior: “E o Verbo se fez carne e veio morar entre nós”, conforme está expresso no hino de encantamento, escrito por São João Evangelista, bem na introdução da narrativa de seu Evangelho.
Deixar-se encantar pelo mistério da encarnação do Verbo ultrapassa, assim, a simples celebração de uma data tradicional no calendário do ano civil. Alcançar o encantamento pelo mistério do nascimento de Jesus é abrir o mais recôndito do próprio ser à luminosidade amorosa da encarnação do Verbo. Assim é possível viver mudanças qualitativas na própria interioridade, renovando modos de compreender e sentir a realidade, graças à força de valores e princípios que emanam do amor de Deus. O Natal, nesse sentido, não é festa que se resume a diferentes ambientações, menos ainda nas animadas ceias ou na oportunidade de feriar. Celebrar o nascimento de Jesus é a chance de viver um novo tempo, esperado pela humanidade inteira.
Esse tempo renovado não virá a partir das promessas da representação política, nem mesmo pela ação cidadã, de reconhecida importância. As transformações almejadas devem ser cultivadas no âmago de cada pessoa, a partir de uma experiência de encantamento. Essa experiência, obviamente, não pode ser confundida com o maravilhar-se diante de certos “atrativos”, geralmente muito caros, acessíveis apenas para alguns. O encantamento necessário é o que transforma o coração humano e incide sobre a razão, ampliando inteligências a partir da lógica do amor maior: o amor de Deus.
Deus-Pai oferece à humanidade o principal dom: seu Filho Amado, para conferir competência amorosa aos que o recebem. Quem acolhe Cristo reconhece e vive a dignidade de ser filho de Deus. Eis, pois, o alicerce para edificar o tempo novo almejado: a força do amor que vem do Pai. Deus é o centro insubstituível da vida humana. Buscá-lo possibilita não perder o horizonte, permite viver amorosamente, sem deixar-se seduzir por interesses pouco nobres ou conveniências. Todos almejam algo novo, uma profunda mudança que possa gerar felicidade. Essa transformação depende do encontro com aquele que vem para se aproximar da humanidade.
Fonte inesgotável de amor, Deus se dá a conhecer no Natal. E cada pessoa, quando o conhece, experimenta um saber que vai além de qualquer outro alcançado pela mente humana. Por isso, o nascimento de Jesus oferece ao ser humano a possibilidade de ser protagonista na construção de um mundo renovado, sob as bases da verdade e do amor. Fora dessa experiência de se encontrar com o Mestre, esvai-se o cantado sonho de um novo tempo, com a repetição dos esquemas que desfiguram a humanidade.
A luminosidade da razão, uma das asas que elevam o espírito humano em busca da verdade, não é suficiente sem a revelação do amor de Deus, no nascimento do Menino Jesus. O Tempo do Natal é a experiência de deixar-se guiar pela estrela verdadeira enviada pelo Pai, que conduz os seres humanos para além de mentalidades estritamente racionais ou aprisionadas nas lógicas tecnocráticas. Deus ensina o caminho do amor, força imprescindível para se construir novo tempo. Só o amor do Pai, revelado em Jesus Cristo, o Verbo Encarnado, é capaz de recuperar em cada ser humano a genuinidade de sua relação com a vida, seguindo a estrada da verdade. Jamais se verá uma nova realidade sem a verdade do amor de Deus, fonte eterna de um novo tempo, o Natal.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Ilustração: Jornal Estado de Minas