A discussão sobre o legado da Copa do Mundo no Brasil é um direito de cada cidadão brasileiro. Também, uma ocasião singular, oportunidade para a abertura de um novo ciclo da consciência social e política. Esta é uma necessidade urgentíssima, neste ano eleitoral, diante dos atrasos sociais que pesam, especialmente, sobre os ombros dos mais pobres. Um evento da magnitude de uma Copa do Mundo não pode, obviamente, trazer benefícios concretos somente a jogadores e empresários do futebol. O povo tem o direito de receber uma considerável fatia do possível legado.
Não se discute e nem se pode impedir o direito dos apaixonados pelo futebol de experimentarem sentimentos de euforia, de torcer por uma campanha exitosa da seleção nacional. Afinal, uma jornada mal sucedida do time não compensará as lacunas e prejuízos graves já apontados no conjunto de legados da Copa. Por isso, o desejo de campanha exitosa, levando a seleção brasileira ao hexacampeonato, precisa ser acompanhado de uma qualificada lista de prioridades sociais e políticas. Assim, seria possível investir na abertura de um novo ciclo na história da sociedade brasileira. A torcida pela campanha vencedora no futebol deve ser também uma convocação para que todos lancem um novo olhar sobre a realidade, compondo uma “lista hexa” de prioridades.
Trata-se de um exercício de muita importância, pois permite um despertar para a necessidade urgente de mudança nas dinâmicas, configurações e atuação cidadã. A meta prioritária é mudar cenários abomináveis da sociedade brasileira. Diante disto, para além de simples opiniões e, sobretudo, de listas de lamentações, parece oportuno não perder de vista a realidade do país, na sua complexidade, e esforçar-se pela elaboração desta “lista hexa” de prioridades. É o movimento necessário para impulsionar reformulações significativas, urgentes e já tardias.
As oportunidades de mudança serão muitas e poderão ser aproveitadas a partir do interesse partilhado por todos em participar dos debates sobre temáticas que podem, pela força de consenso, inaugurar um novo momento social, político e cultural. Esse necessário envolvimento de cada um determinará a força da sociedade brasileira diante das estagnações e obstáculos para respostas indispensáveis aos anseios da população. Neste caminho, é inegociável o respeito pela dignidade de todo ser humano. Isto significa que é urgente e prioritário, como aposta de todos os diferentes segmentos - religiosos, artísticos, profissionais, políticos, intelectuais - trabalhar por iniciativas orientadas a partir de posturas cidadãs. Deste modo, cada um guiará sua própria conduta fundamentado na consciência do primado da vida humana.
A sociedade brasileira, segundo reflexões e opiniões, sairá da Copa do Mundo, ainda que nossa seleção seja hexacampeã, como perdedora. De fato, analistas frequentemente mostram que as demandas históricas por melhorias na infraestrutura do Brasil não serão solucionadas, mesmo com os altos gastos com o Mundial. O propalado legado da Copa merece questionamentos e veementes críticas, junto com a convicção de que é hora para avançar rumo a grandes mudanças. Desta vez, não será possível transcorrer os dias da competição simplesmente com a euforia própria do futebol. O congraçamento universal que o esporte proporciona já está fortalecido por um processo de levante social e político, um broto de esperança para uma grande virada que precisa ocorrer na cultura brasileira.
A reforma política deve encabeçar esta mudança cultural, pois é caminho para acabar com os nefastos cenários que afundam o país na corrupção, no uso ilegítimo da máquina governamental, na incompetência e burocracias que atrasam respostas. A prioridade cidadã é o amadurecimento da postura política de cada um pelo exercício de definir uma “lista hexa” de prioridades sociais. Assim, todos contribuirão para que este momento histórico não deixe, simplesmente, um legado de prejuízos, de escolhas equivocadas e de favorecimentos. A luta pela reforma política é a oportunidade para os cidadãos reagirem diante do difuso sentimento de decepção e descrença em relação à política institucional.
O gesto concreto durante a Copa do Mundo é trabalhar pela tramitação no Congresso Nacional do Projeto de Lei de Iniciativa Popular sobre a Reforma Política. Um movimento semelhante ao que resultou na aprovação das Leis Contra a Corrupção Eleitoral (Lei 9840/1999) e da Ficha Limpa (Lei 135/2010), frutos da união de muitas pessoas de bem. É hora de conquistar o afastamento do poder econômico das eleições, adotar o sistema eleitoral chamado “voto transparente”, proporcional em dois turnos, pelo qual o eleitor inicialmente vota em um programa partidário e, posteriormente, escolhe um dos nomes da lista ordenada no partido, com a participação de seus filiados, com acompanhamento da Justiça Eleitoral e do Ministério Público; é momento de promover a alternância de homens e mulheres nas listas de candidatos dos partidos; de fortalecer a democracia participativa, por meio dos preceitos constitucionais do Plebiscito, Referendo e Projeto de Lei de Iniciativa Popular. Esse é um importante Projeto, que sustentará as outras muitas transformações necessárias, uma verdadeira lista hexa Brasil de prioridades.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte