A catástrofe climática no Rio Grande do Sul, assustadoramente triste, tem força de alerta para a sociedade que, mais uma vez, está chocada. Os cenários são impactantes por sua extensão e proporções. As imagens se congelam no horizonte, tal o peso da catástrofe humanitária, motivando solidária reação nacional: um aceno para novas perguntas e oportunidade para nova postura cidadã, que exige um estilo de vida fruto de lições a serem aprendidas e, mais ainda, praticadas. A solidariedade como mobilização, gerando atitudes de partilhas entre cidadãos, com forte incidência nas responsabilidades da esfera governamental, é a prática que faz sedimentar a aprendizagem destas novas e imprescindíveis lições. Oportuna, pois, é a pergunta sobre o que acontece na Casa Comum. Não é uma simples repetição de interrogações ou narrativas sobre o tema, ou de uma pressuposição que pode levar ao pensamento de que já se sabe o suficiente e, até mesmo, que no âmbito das impostações sobre o meio ambiente, já se esgotou tudo, não sendo mais necessário retornar a estes temas.
Fecundados pela rede de solidariedade é hora de avançar na aprendizagem de lições capazes de amparar o comprometimento cidadão. O que está acontecendo na Casa Comum é uma interrogação com propriedade para alavancar posturas éticas e sustentáveis. É hora de se estabelecer um adequado processo de conscientização, por exemplo, no entendimento sobre o aquecimento global, sua relação com catástrofes ambientais, apontando parâmetros para um novo estilo de vida. Há de se avançar, ainda mais celeremente, numa crescente sensibilização e conhecimento a respeito das questões ambientais, tratadas conforme os largos e lúcidos parâmetros da ecologia integral. Há de crescer uma sincera sensibilidade sobre a situação do nosso planeta. O passivo das reparações, desenhando cenários de solidariedades, deve instigar o conjunto da sociedade para este compromisso, por meio de legislações e práticas corretivas. Como afirma o Papa Francisco, no capítulo primeiro de sua Carta Encíclica Laudato Si’: “o objetivo não é recolher informações ou satisfazer a nossa curiosidade, mas tomar dolorosa consciência, ousar transformar em sofrimento pessoal aquilo que acontece no mundo e, assim, reconhecer a contribuição de cada um.” No verso dos cenários catastróficos, há de se reencontrar a lição preciosa pelo reconhecimento da natureza como um livro esplêndido, ensinamento perene de São Francisco de Assis, por meio do qual Deus fala e transmite algo de sua beleza e bondade.
O mundo não é tão somente um problema a resolver, mas uma oportunidade constante de contemplação e de comprometimento com novas ações solidárias assumidas como estilo de vida, proporcionando a urgente conquista de equilíbrio ecológico. A lição da catástrofe do Rio Grande do Sul, sem perder a referência amarga de tantas outras, é um convite urgente a renovar o diálogo, com inteligência e boa vontade para efetivar propostas e compromissos a respeito do modo como se está construindo o futuro do planeta. A iluminação que vem da solidariedade, da comoção nacional, somada à exigência de comprometida e efetiva ação governamental, célere e menos burocrática, técnica e exemplar, impulsione o debate que diz respeito ao conjunto da sociedade, porque o desafio ambiental e suas raízes humanas afetam a todos. Ainda, lamentavelmente, constata-se desinteresse cidadão pela temática, considerando-a como uma pauta simplesmente de esferas político-partidárias, distanciando o indivíduo comum de sua corresponsabilidade e urgência de fazer sua esta pertinente pauta ambiental. As catástrofes e tragédias ambientais são um convite, doloroso, sobre o desafio de aprender e exercitar a proteção à Casa Comum, incluindo a busca pelo desenvolvimento sustentável e integral. Volta a ser forte o apelo para que todos se empenhem na colaboração da construção da Casa Comum, inspirados sempre pelo vigor e exemplaridade daqueles que lutam, cotidianamente, para reverter as consequências das dramáticas degradações ambientais, afetados e comprometidos, particularmente com a vida dos mais pobres.
Não se pode pensar o futuro sem enfrentar o sofrimento das pessoas e a atual grave crise do meio ambiente. Não se pode correr o risco de pensar que a pauta ecológica tenha se esgotado para cidadãos comuns e em muitas instâncias e segmentos, especialmente governamentais e educativos. O desinteresse pela pauta da ecologia integral fortalece a recusa dos poderosos na implantação de novas dinâmicas sustentáveis, incidindo sobre legislações e interpretações empobrecidas e incapazes de criar um novo cenário, facilitando possíveis novas tragédias e catástrofes, mesmo aquelas silenciosas, perpetuando cenários vergonhosos de pobreza, fazendo valer a lógica cega e perversa do mercado. A solidariedade praticada e o exemplo de governanças, para além de interesses político-partidários, é um horizonte que deve impulsionar o interesse de todos por conhecimento técnico e científico, suficientes para fomentar novas posturas. A terra, Casa Comum de todos, tem se transformado em um grande depósito de lixo. Paisagens maravilhosas de outrora são cenários de degradações, que têm produzido efeitos irreversíveis na saúde das pessoas.
É urgente socializar o conhecimento sobre o funcionamento dos ecossistemas naturais, como caminho educativo na superação da biodegradação. Também, aprender e assumir posturas adequadas a respeito do clima como bem comum, essencial à vida humana. A prática da solidariedade na consideração de emergências e urgências, seja agora a convicção de um novo estilo de vida, como combate ao aquecimento climático. A dolorosa catástrofe no Rio Grande do Sul, assim como outras tragédias da história recente, a exemplo de Brumadinho e Mariana, fecundem pela solidariedade a aprendizagem de novas lições e práticas no horizonte do desenvolvimento integral e sustentável.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte