É Jesus quem faz esta súplica. Na chamada “Oração Sacerdotal”, narrada no capítulo 17 do Evangelho de São João, Jesus se dirige ao seu Pai, e faz súplicas pelos discípulos. Ele suplica ao Pai a graça de guardá-los em seu nome “para que eles sejam um”. A unidade dos que creem em Cristo é uma meta insubstituível, um desafio que confronta suas opções e uma conduta que edifica sua credibilidade.
Esse desejo do Mestre configura o compromisso central para a vida dos seus discípulos. Não basta um testemunho de palavras, apologias em torno de questões e pontos de vista. É indispensável ter sabedoria na superação de preconceitos e, nas diferenças, construir um caminho que desenhe um roteiro de fraternidade solidária no mundo. Os cristãos estão desafiados a olhar e proceder para além de seus interesses confessionais, na contramão de um entendimento institucional à moda dos propósitos exitosos que norteiam afazeres e procedimentos de outros nas injunções do mundo.
O mundo está no centro das razões e das preocupações de Jesus na sua obediência amorosa ao seu pai. Sua condição humana, a encarnação do Verbo, é a concretização do amor grande com que o Pai amou o mundo e deu seu Filho Único para que todo aquele que Nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. Sua morte e ressurreição abrem o caminho da salvação do mundo. Jesus sabe que o mundo é uma dinâmica que precisa de radical correção e orientação.
Compreende-se o sentido profundo de sua súplica insistente ao Pai, quando deixa brotar do seu coração este pedido: “Não te peço que os tires do mundo, mas que os guardes do maligno”. O maligno delineia dinâmicas na configuração do mundo. Por isso, Jesus mesmo aponta que os seus discípulos não são do mundo. Estão no mundo. O discípulo rege-se por dinâmicas que configuram condutas em oposição ao que é próprio do maligno. Não se pode desconhecer ou tratar com disfarces a força atuante do maligno no mundo, seu poder de dominação e o desafio permanente posto ao discípulo de uma resposta diferente e nova.
Não se pode escandalizar e, menos ainda, desconhecer que a humanidade caminha entre o bem e o mal, palmilhando uma linha tênue que a leva a passar de um lado ao outro, em razão da sua inerente fragilidade. Se assim não o fosse, por que Jesus suplicaria com tanta insistência ao seu Pai pelos discípulos seus? Ele sabe - e sua súplica abre os olhos dos seus discípulos. Os discípulos compreendem que sua conduta há de ser edificada e mantida por fidelidade e coerência, na verdade e no amor.
O Papa Bento XVI, com lucidez corajosa, na condução da Igreja de Cristo, refere-se ao maligno que entra e interfere no corpo eclesial. Depois de rezar a saudação a Maria, na Praça de São Pedro, em Roma, disse que “o verdadeiro inimigo a ser temido e combatido é o pecado, o mal espiritual, que às vezes, contagia também os membros da Igreja”. Completa sua reflexão dizendo que “vivemos no mundo – diz o Senhor – mas não somos do mundo, e devemos nos guardar de suas seduções. Devemos temer o pecado e para isso devemos estar fortemente radicados em Deus, unidos no bem, no amor, no serviço”.
O pecado, não tratado e desconhecido como temática em tantos âmbitos da vida, é a fonte maligna geradora dos descompassos da humanidade. Pecado que é revelado nas estatísticas estonteantes que precisam afligir permanentemente a consciência humana e cidadã dos habitantes desta terra. É sim estonteante saber que existem milhões de pessoas sem água potável. Saber que crescem os abusos a crianças e adolescentes. Assistir à fome matando ao redor do mundo. A corrupção corroendo instituições, a violência dizimando, a dependência química fomentada.
As instituições que organizam a sociedade e nela exercem influência determinante são desafiadas a fazer revisões sérias e, especialmente, necessitadas da coerência e da honestidade dos seus membros, com uma inadiável conduta ilibada. A congregação de cidadãos nas instituições não pode se pautar nos interesses espúrios, nas manipulações e modos de viver que tenham, simplesmente, a meta de satisfação egoísta. Essa é uma nefasta tendência que leva pessoas a justificar suas escolhas, em nome de sua autonomia e liberdade, desrespeitando normas e dinâmicas próprias do que define a identidade e missão institucionais.
É cômodo usufruir da instituição visando apenas interesses próprios, cartoriais, ainda quando macula sua tradição e sua razão de ser. A aprovação do Projeto de Lei “Ficha Limpa”, incontestavelmente, dá sinais de uma instituição parlamentar querendo recuperar sua credibilidade, identidade e missão.
O Papa Bento XVI, na viagem a Portugal, referiu-se, também, ao pecado que gera os inimigos dentro da própria Igreja. Vale a súplica de Jesus: “Guarda-os do maligno”!
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte