Os princípios que regem a vida de cada um e de todos determinam as direções, definem as prioridades e desenham o horizonte para o caminho existencial, configurando as dinâmicas que presidem o jeito de ser sociedade.
O preceito que diz “para ganhar tem que perder” dá um verdadeiro nó na racionalidade que preside as relações na sociedade contemporânea. Neste momento está em pauta a discussão sobre a crise econômica que se abate em regiões determinadas da geografia da Terra. A linguagem do economês, com a complexidade de números e princípios, detecta a crise por razões como as quedas nas bolsas de valores, entre outras, revelando fragilidades e anunciando desafios. Em jogo está, sem dúvida, a questão desafiadora, matemática e eticamente, do lucro, que é um princípio determinante para garantir hegemonias de blocos econômicos, o poder de instituições e o poderio de nações sobre outras. Mesmo quando entre essas outras estão as pátrias de famintos e miseráveis.
É curioso como este tipo de crise revela o princípio do lucro e da hegemonia. Tenha-se presente a classificação pelo critério de potência econômica - configurando lugares e autocompreensão, enquanto povo, nação e sociedade, escancarando a dificuldade de se viver padrões diferentes e alavancar o próprio sentido de equilíbrio em princípios outros. Mal comparando, é constatar uma crise econômica na vida de quem ganha muito, que não apenas tem o necessário para viver, mas se dá ao luxo inaceitável e pecaminoso de esbanjar quando é preciso pensar a vida com menos.
Uma vida diária mais simples gera crises em proporções não tão reais pelos números a menos, mas configuradas pelas considerações que os princípios adotados determinam. Os que vivem o dia a dia sobriamente, com dignidade e dinheiro, sofrem diferente a sua crise econômica em comparação aos que têm muito, para além da conta, em se pensando o princípio de uma sociedade mais igualitária. Na verdade, a crise econômica está nos funcionamentos próprios da complexidade da economia, mas também uma crise em razão dos princípios que determinam compreensões, sentimentos e a própria racionalidade da definição de prioridades e importâncias.
Aqui se está no meio do tsunami terrível do desejo onipotente e irrefreável de possuir como forma de poder e segurança, que tem no dinheiro a referência máxima de princípio, enjaulando a vivência e a compreensão existencial, com consequentes comprometimentos de outros princípios intocáveis e insubstituíveis, fundamentais para o equilíbrio e a direção certa na vida.
Não é por outro motivo que o apóstolo Paulo, numa de suas cartas, afirma categoricamente que o dinheiro é a fonte de todos os males. No cenário em que se comenta sobre crise econômica, aqui e acolá, se hospedam também as notícias de escândalos de corrupção, com envolvimento de pessoas e instâncias das quais se pressuporia conduta ilibada, traídas pela ganância e pelo inexorável desejo do dinheiro.
O dinheiro - que é um sistema desafiado a funcionar para promover igualdades, suscitar o sentido de solidariedade sem paternalismos e dependências, apoiar projetos e programas que ultrapassam fronteiras partidárias e estreitas - garante conquistas no âmbito plural de bens e põe a sociedade aberta a valores que, verdadeiramente, asseguram uma sociedade sustentável.
No emaranhado desta complexa questão ecoa, então, o princípio formulado por Jesus, na sua incomparável maestria, por meio de uma lógica paradoxal desconcertante. A pedagogia de Jesus, no princípio ganha quem perde, aponta a contramão da lógica que preside a compreensão e as escolhas que regem o andamento da sociedade, além dos sentimentos no coração de cada pessoa.
A aprendizagem deste princípio, ensinado pelo Mestre aos seus discípulos, é a adoção do remédio para sanar a lógica perversa que facilmente se instala nos mecanismos de funcionamento nas relações econômicas e comerciais, no interno da sociedade, perpetuando situações abomináveis de miséria e de corrupção, com manipulações vergonhosas e mesquinhez comprometedora de generosidades que corrigiriam descompassos e permitiriam alcançar metas e projetos importantes para a sociedade.
Quem perde ganha é uma importante lição ministrada por Jesus aos discípulos ao introduzi-los na dinâmica do mundo. Este princípio tem força de resgate ao desafiar as arrumações de certas lógicas da razão humana. Não é uma simples oposição à necessária organização econômica e definição de suas normas e metas. Esta lógica paradoxal desmonta apegos, qualifica critérios, devolve a paz, conduz a vida entendida como serviço e oferta - o sentido mais autêntico de ganha quem perde.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte