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Fraternidade e pobreza

Dom Walmor Oliveira de Azevedo

A solidariedade cristã é pautada pela convicção de que a fraternidade é premissa para vencer a pobreza, como lembra o Papa Francisco na sua primeira mensagem dedicada ao Dia Mundial da Paz. O Papa recorda seu predecessor, Bento XVI que, na Carta Encíclica Caritas in Veritate, apresentou a falta de fraternidade - entre pessoas e nações - como uma das principais causas da pobreza. Trata-se de uma deficiência que inviabiliza a urgente superação da miséria, que castiga considerável parcela da humanidade.

Gestores e executivos, de instituições governamentais e privadas, precisam reconhecer e viver mais o princípio da fraternidade.  Sem essa vivência, correm o risco de se aprisionarem no território do que é cartorial e, assim, tornam-se incapazes de contribuir para as mudanças rápidas e urgentes do atual cenário, que faz crescer a brecha entre ricos e pobres. Bastaria que cada cidadão levasse a sério a indicação secular de São Vicente de Paulo. O Santo afirma que quando alguém vê um irmão na miséria, deveria sentir-se envergonhado. Mas, como diz o Papa Francisco, na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, a globalização da indiferença é um sério problema a ser enfrentado. Esta insensibilidade tranquiliza as consciências e entorpece cidadanias. Desse modo, incapacita pessoas para o exercício do altruísmo. A indiferença impede a superação da pobreza, que pesa sobre os ombros de tantos, e é uma vergonha social.

A falta de fraternidade que perpetua situações lastimáveis de miséria tem também como causa a pobreza relacional, nos contextos familiar e comunitário. Sem o sentido de fraternidade não se avançará adequadamente para se alcançar metas que mudem os quadros. Por isso mesmo, é tão comum ancorar-se em justificativas, contabilizando o que já se fez em detrimento das urgências e necessidades. Aí está um fruto indigesto do modo como se faz política na sociedade brasileira, dando mais importância e força ao partidário e seus “conchavos” do que à meritocracia.

A pobreza origina-se da carência de um sentido humanístico e compreensão ética adequada da dignidade de cada pessoa humana, fazendo surgir situações extremas de riqueza e desperdício de um lado e, do outro, a miséria de muitos, com o peso da fome, da enfermidade e da exclusão social. As desigualdades sociais crescentes em uma determinada região e contexto cultural precisam incomodar mais a consciência cidadã. Assim é possível avançar na busca de soluções e de respostas, em diferentes níveis e condições. Nessa perspectiva está, portanto, um horizonte lúcido para se fazer política. Isto significa um empenho mais efetivo para garantir a todas as pessoas, iguais na sua dignidade e nos seus direitos fundamentais, o acesso aos serviços, especialmente aos recursos educativos e de saúde, possibilitando a cada pessoa a construção de seu projeto de vida.

O Papa Francisco, na mensagem para o Dia Mundial da Paz, relembra um importante ensinamento da Igreja, sobre a hipoteca social. Como diz Santo Tomaz de Aquino, é lícito e até necessário que a pessoa tenha propriedade dos bens. Porém, quanto ao uso, “não deve considerar as coisas exteriores que legitimamente possui só como próprias, mas também como comuns, no sentido de que possam beneficiar não só a si, mas também aos outros”. Se assumido como princípio ético, este ensinamento permitirá à cidadania dar um salto de qualidade e produzirá, sem dúvida, uma grande transformação. A globalização da indiferença é responsável por desvios morais que fazem da economia o território da idolatria ao dinheiro. Daí nasce uma séria crise antropológica, ao se negar a primazia de cada pessoa, substituindo-a por outros interesses e lógicas. A perversidade se revela no crescimento que privilegia poucos e castiga muitos, fruto de uma ideologia que defende a absoluta autonomia de mercados e a especulação financeira.

O Papa Francisco, exemplar e coerente, indica um passo primeiro, determinante, com força para fazer a diferença na busca da fraternidade, antídoto para vencer a pobreza. Ele fala do desapego vivido por quem escolhe estilos de vida sóbrios e essenciais, partilhando as suas riquezas, conseguindo, assim, experimentar a comunhão fraterna com os outros. Não será outro senão este o primeiro compromisso cristão, de quem quer autenticamente seguir Jesus Cristo. É desafiador, gera dúvidas, mas trata-se de um caminho certo para cultivar a fraternidade, eficaz na superação da pobreza. O ponto de partida dessa revolução é a convicção firme de que o relacionamento fraterno com o próximo é o bem mais precioso.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

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