Agraciado por vida longeva, 95 anos, o cardeal Dom Serafim Fernandes de Araújo, filho de Deus, por Ele chamado e guiado, atravessou tempos diferentes, mudanças muito profundas, sempre contribuindo com a Igreja em etapas relevantes da sua história. Estava entre os últimos bispos ainda vivos que participaram do Concílio Vaticano II, realizado de 1962 a 1965, acontecimento eclesial de incidência profunda e transformadora na vida da Igreja. Ali esteve nos albores de sua vida, dos 39 aos 41 anos de idade, nos primeiros seis anos de sua missão episcopal. Dom Serafim foi bispo auxiliar durante o ministério de Dom Antônio dos Santos Cabral, primeiro Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, e de Dom João Resende Costa, segundo Arcebispo Metropolitano, por 23 anos. Foi nomeado arcebispo coadjutor, missão que exerceu de 1982 a 1986 e Arcebispo Metropolitano, por 18 anos, até 2004. Uma vida quase centenária acompanhando o crescimento e os desdobramentos da Igreja em Belo Horizonte.
Dom Serafim não apenas prosseguiu com o trabalho dos seus antecessores, mas também contribuiu com o desabrochar de novas potencialidades. A partir dos alicerces construídos pelos primeiros arcebispos, Dom Serafim obteve conquistas admiráveis no mundo da educação, particularmente no desempenho da exigente tarefa à frente da reitoria da PUC Minas, proporcionando e acompanhando seu crescimento. Hoje a PUC Minas é a maior universidade católica do mundo. De modo semelhante, teve atuações relevantes no âmbito da comunicação, antecipando a inserção da Arquidiocese nas diferentes mídias, indispensáveis para que a Igreja qualifique ainda mais a sua presença evangelizadora, por meio de diálogos e interfaces, no mundo atual. Preparou, assim, lá atrás, a Arquidiocese para a contemporaneidade.
Da gestão ao pastoreio, das autoridades aos mais simples, das complexas exigências à simplicidade do seu jeito, de quem teve suas mais importantes raízes no artístico e sertanejo Vale do Jequitinhonha, Dom Serafim começou lá por Minas Novas, passando por Itamarandiba, até Roma, de muitas idas e vindas, sempre em Belo Horizonte, a pátria apaixonada, inspirando a mineiridade. Em seus 95 anos, pode-se imaginar os impactos vividos por Dom Serafim desafiado pelas marcas dos novos tempos, tão fortes que exigiram constantes reposicionamentos. Soube exercitar a compreensão, alargar horizontes, para responder às exigências próprias das mudanças históricas e, assim, viver e servir com alegria, pois a vida é dom que se recebe e se doa.
A vida deve ser instrumento para promover o bem, a defesa incondicional e o devotamento a cada pessoa, ao próximo, nos insubstituíveis parâmetros da fé cristã. A vida ganha mais valor quando se consegue considerar mais importante o outro, mesmo o diferente, que pode surpreender por ser novidade, até mesmo quem parece ou se faz inimigo. Aí reside, sem dúvida, o ouro da vida sacerdotal: o serviço prestado ao povo. Considerar o outro como mais importante é recordar o princípio de que Deus amou primeiro a cada um, e não foi ninguém que primeiro O amou. Esse princípio causa permanente desconcerto a qualquer tipo de preconceito, discriminação ou maledicente tratamento. É holofote que deve iluminar o tempo fugidio, a herança que se deixa, as labutas, os pesos carregados, as sementes plantadas e os frutos colhidos. E cada história de vida constitui uma herança a ser cuidada, usufruída na gratidão para ser semente do novo que sempre vem.
Dom Serafim partiu - a hora da partida de cada um chega, cedo ou tarde - finalizando a contagem de um tempo para entrar na vida plena e permanecer na história. Um personagem da sociedade mineira, inspirando-a, em tempos de aridez. Singular referência sacerdotal de pastoreio na Igreja, alentando-a. Por tudo, a gratidão. Em tudo, a reverência. Cada dia, lembranças. No horizonte da fé, uma certeza. Dom Serafim ouviu do coração amoroso de Deus: “Servo bom e fiel, vem participar das alegrias de teu Senhor”!
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Ilustração: Jornal Estado de Minas