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Dom Walmor Oliveira de Azevedo

A confiança é um tesouro. É um tesouro imaterial que sustenta e permeia tudo. Tudo depende da confiança que se pode ou não depositar em pessoas, sistemas e instituições. Até mesmo a economia – ancorada sempre na materialidade do que o dinheiro determina, compra e permite possuir como propriedade – depende dos fluxos e refluxos advindos dessa credibilidade.

O comprometimento da confiança é um desastre de proporções incalculáveis e, por vezes, irreparáveis. A forma como a pessoa trata a confiança atribuída a ela define a sua estatura, configura suas responsabilidades e sustenta seus papéis desempenhados nas instituições e nas diversas situações da vida social, familiar, religiosa e política.

A perda da confiança provoca uma crise que corrói bases e raízes – solapando a consistência e a sustentabilidade, particularmente aquela de caráter moral. Na verdade, a confiança é alavancada pela consciência moral regente na conduta pessoal e no exercício das responsabilidades que compõem o tecido das relações, gerando o merecimento da credibilidade.

A competência técnica, ou outra, não substitui nunca o tesouro da confiança. Esse tesouro é precioso e indispensável. Qualidade que envolve desde a credibilidade dos que representam o povo e são servidores públicos, por exigências próprias da política, da religiosidade ou de trabalhos prestados na vida social, até aquela situação familiar ou educacional, quando pais confiam suas crianças, desde a mais tenra idade, ao cuidado de babás ou de educadores.

A traição da confiança é um crime com graves consequências. A garantia para a credibilidade tem a consciência moral como ponto de apoio e de sustentabilidade. A confiança é comprometida quando a consciência moral é atingida por patologias ou por seduções e corrupções circunstanciais.

O tesouro é atingido frontalmente e como um terremoto devastador prejudica as relações interpessoais, as configurações da vida religiosa, social e política. A escolha de candidatos em eleição se define prescindindo da referência desse tesouro da confiança de que o candidato é depositário e que o torna merecedor de credibilidade.

O mesmo vale no exercício de variadas responsabilidades profissionais no conjunto de serviços prestados na sociedade: do profissional da saúde ao faxineiro, da babá ao juiz, do comerciante ao informante. De modo particular, esse tesouro da confiança é insubstituível no âmbito confessional religioso.

O tesouro da fé, com seus desdobramentos morais e suas significações que configuram condutas com exigentes performances próprias, não dispensa a credibilidade de que todo crente, religioso, consagrado deve ser merecedor. Qualquer comprometimento nessa esfera atinge frontalmente o tesouro da fé. Atinge-o não na sua essência, em razão de sua consistência própria.

Mas, alcança o depositário da indispensável credibilidade. Respinga e consome feições e configurações na instituição a que esta ou aquela pessoa pertence e atua. E exige posturas firmes e transparentes para que patologias, conveniências e conivências não gerem e presidam processos que possam prejudicar a beleza da confiança ancorada no tesouro da fé e da moral.

O apóstolo Paulo, escrevendo aos Coríntios, na sua segunda carta, 4,7, adverte que “trazemos este tesouro em vasos de barro”. O tesouro da fé e da moral tem sua consistência própria e sua força inigualável de sustentabilidade. Força essencial que dá sentido à vida e ilumina o horizonte de suas direções. Esse tesouro é carregado em vasos de barro. Esta advertência educativa feita pelo apóstolo Paulo, sublinha ele, é “para que todos reconheçam que este poder extraordinário vem de Deus e não de nós”. O tesouro da confiança é a liga que dá consistência ao barro que configura e dá forma ao vaso depositário dos valores éticos, morais e da fé. Esses valores são tesouros imperecíveis. O vaso é de barro. Embora seja de barro é indispensável que tenha a liga necessária – a credibilidade – para evitar o risco de rachar com facilidade. O ajuntar e o emendar cacos de vaso de barro é tarefa, muitas vezes, impossível. Esse horizonte situa o desafio enorme que a Igreja Católica vive no enfrentamento dos casos de pedofilia nos quadros da vida sacerdotal. Os incontáveis sacerdotes sérios, abnegados e merecedores de incondicional credibilidade estão atingidos. Está atingida a Igreja na sua tarefa de depositária do tesouro imperecível da fé e da moral, demanda insubstituível na sustentabilidade e continuidade da vida. É por isso, sobretudo, apesar da permissividade e do relativismo que encontramos na sociedade, que a crise tem proporções tão grandes.

O tesouro da confiança, particularmente nos que se consagram a serviço da fé e da moral, não admite fissuras. Configura-se a tarefa urgente de reparação, prevenção, expurgos desses quadros na Igreja. A essencialidade da fé e da moral exige depositários servidores de confiança.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

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