O coração humano, em busca da felicidade, define uma série de metas, talvez a maior parte esteja no âmbito das conquistas profissionais e materiais. Por isso, torna-se sempre oportuno lembrar: importante caminho de efetivação da felicidade é a promoção da paz, capaz de forrar a alma, dando-lhe uma fortaleza e sabedoria que não podem ser conquistadas por outra experiência humana. Ter um coração de paz é, incontestavelmente, vetor determinante para se experimentar a felicidade - brilho em meio aos desafios existenciais e sociais. Tornar-se obreiro da paz constitui uma dimensão humano-espiritual muito relevante no sustento da existência de cada pessoa. O obreiro da paz tem força de convocação e agregação, tecendo consensualidade a partir de diferentes temas, o que possibilita avanços no horizonte do desenvolvimento integral e humanístico. Essa força propicia o surgimento de protagonistas e agentes do bem comum, com singular sensibilidade social e relacional. Aqueles que investem na pacificação conquistam, assim, razões e sentimentos sustentadores de felicidade. Sabem que todas as pessoas, com as suas singularidades, em diferentes circunstâncias, podem ajudar na promoção da paz que, se estiver comprometida, leva ao desequilíbrio social, com cenários de desigualdades e exclusões.
A postura que busca semear a pacificação é bem diferente daquela voltada a “beliscar” os outros, desprovida de uma linguagem facilitadora de diálogos e entendimentos. Há muitas posturas que impedem o ser humano de ser promotor da paz – mesmo aqueles intelectualmente preparados para construir uma adequada visão social e política. De modo geral, é preciso zelar pela linguagem, pela própria postura, revestindo com nobreza o exercício da cidadania. Para isso, deve-se tomar como ponto de partida a promoção do bem comum e, principalmente, o respeito pela vida, sem tratá-la de modo preconceituoso ou discriminatório. Assim, o selo de autenticidade do obreiro da paz, caminho importante para se experimentar a felicidade, é a competência para amar, defender e promover a vida, em todas as suas dimensões - pessoal, comunitária e transcendente.
Jamais se alcançará a paz de modo satisfatório – e, consequentemente, a felicidade -enquanto houver agressões à vida, no ambiente doméstico, no cotidiano da sociedade, no contexto sociopolítico. É um consenso: a promoção da paz é incompatível com atentados, desprezos, crimes contra a vida. Se o ser humano é desconsiderado em sua dignidade, a paz será sempre ilusória. Nesse horizonte, não se pode abrir mão do compromisso de defender o direito à vida plena dos mais frágeis, dos nascituros e dos que estão em arriscada e desumana situação de vulnerabilidade social. A tutela do direito à vida será sempre o ponto de partida no processo de efetivação da paz e do desenvolvimento integral. Qualquer lesão à vida, de modo especial no seu nascedouro, significa a imposição de danos ao bem comum. Por isso mesmo, devem ser combatidas as opções ancoradas em visão redutiva e relativista do ser humano, que ameacem o direito fundamental à vida. Os cristãos estão unidos também nesse combate, por fidelidade a verdades fundamentais da fé. Do compromisso com a defesa da vida, que une cristãos de diferentes perspectivas, emerge uma grande força religiosa, geradora de agregação.
A promoção da paz, essencial na busca da felicidade, se fortalece com a vivência autêntica da fé, e também depende dos ordenamentos jurídicos, fundamentais na promoção de direitos. A sociedade não pode abrir mão dos campos da religião e da justiça, não permitindo também que se contaminem por manipulações. Não tem cabimento, por exemplo, a intolerância religiosa ou a politização de instâncias judiciais – também não se deve admitir a judicialização da política, sob risco de se desfigurar e ferir identidades institucionais.
Constitui nobre tarefa cidadã ser protagonista de uma luta indispensável, em diferentes proporções, que contemplem investimentos para pacificar relações, a partir do diálogo, no âmbito familiar. Contemplem igualmente investimentos no enfrentamento de fenômenos capazes de levar à erosão da função social do Estado e das redes de solidariedade da sociedade civil. É preciso dedicar redobrada atenção aos direitos sociais ameaçados, aos deveres sociais desconsiderados, para impedir degradações que atinjam frontalmente a dignidade do ser humano. A sociedade pede novas ousadias políticas, proféticas e inteligentes, capazes de inspirar novos ordenamentos na civilização que possibilitem, a mais pessoas, experimentar a felicidade. Os comprometimentos que ameaçam a vida não se esgotam apenas com a atuação de militância política ou de certo segmento de pessoas. Para ser conquistada, a felicidade demanda mais vivências alicerçadas no altruísmo e na solidariedade, na compaixão e na fraternidade. Essas vivências trazem ganhos pessoais e alavancam conquistas sociais, propulsoras da paz. Ajudam a edificar uma sociedade mais justa e solidária, fruto de cidadanias qualificadas – adequadamente exercidas para se alcançar a felicidade.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte