Artigo de dom walmor

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Educar pela vida familiar

O Papa Francisco, atento às dinâmicas da cultura contemporânea e após a realização de dois sínodos, traz pertinente interpelação com a Exortação Apostólica sobre o amor na família, Amoris Laetitia.  Com sua extraordinária sensibilidade humana e a partir da escuta do mundo católico, Francisco mostra que a grande meta é reavivar a consciência sobre a importância do matrimônio e da família. Desafio complexo que não permite tratamento superficial. São necessárias ações bem fundamentadas para não se correr o risco de obscurecer ou anular o determinante e indispensável papel da família - lugar da educação por excelência - particularmente essencial neste momento, quando se precisa configurar novo tecido cultural. E isso é imprescindível para a superação das crises muito desafiadoras, nos âmbitos da ética, política, economia e instituições.

A Igreja, na unidade de doutrina e práxis, acolhe a indicação de que, em cada país ou região, é possível buscar soluções mais atentas às tradições e aos desafios locais. Longe de qualquer tipo de permissividade, o caminho é se debruçar sobre culturas diferentes, considerando a pluralidade que caracteriza cada sociedade. Essa tarefa exige acuidade, empenhos e profunda espiritualidade. Por isso, o Papa Francisco recoloca, com destaque, alguns caminhos pastorais que levam à construção de famílias sólidas, fecundas segundo o plano de Deus, com especial luz sobre a educação dos filhos.

Não há mais tempo a perder diante da necessidade de se investir na família, referência singular com propriedades para edificar nova cultura humanística e espiritual que permita superar o atual momento social e político. Há uma complexidade própria na realidade da família, que precisa ser adequadamente compreendida e tratada.  Para isso, as jaulas do egoísmo e da mesquinhez devem ser evitadas. Essas prisões nascem de individualismos perversos e da consequente perda de capacidade para gestos altruístas, indispensáveis na vida de todos, especialmente no exercício da cidadania. Em questão, portanto, está o desafio de se compreender, em profundidade, a importância da família.

O desvirtuamento dos laços familiares é um real perigo alimentado por uma exasperada cultura individualista que pode parecer atraente, mas é caminho para prejuízos irreversíveis. É preciso conhecer mais profundamente a realidade familiar para não se negociar o inegociável. A liberdade de escolha, sublinha o Papa Francisco, permite a cada pessoa projetar a própria vida e cultivar o melhor de si mesmo, mas se não houver objetivos nobres e disciplina, se degenera numa incapacidade para a doação. O entendimento de que a liberdade individual garante o direito de julgar a partir de parâmetros próprios, como se não houvesse verdades, valores e princípios diferentes, é problemático. Cria a convicção de que tudo, desde que atenda ao interesse particular, é permitido.  Contribui para que entendimentos sobre o matrimônio sejam achatados por conveniências e caprichos.

Há um percurso longo para resgatar valores que foram perdidos. Sem essas referências, continuarão a surgir descompassos e a humanidade sofrerá com a perda de rumos. A trajetória a ser seguida exige entendimentos, recomposições e a necessária capacitação para a vivência de valores éticos e morais.  E a família é, indiscutivelmente, a primeira escola desses valores. Lugar em que se aprende o bom uso da liberdade. A Exortação Apostólica lembra que há inclinações maturadas na infância que impregnam o íntimo de uma pessoa e permanecem pelo resto da vida como tendência favorável a um valor ou como uma rejeição espontânea de certos comportamentos.

O aprendizado ético e moral no contexto educativo inigualável da família sustenta a vida, permeia atos e escolhas. Somente a instituição familiar tem propriedades para cumprir certas tarefas e metas na formação das pessoas, em razão de sua particular capacidade para alcançar e fecundar corações. De modo especial, é âmbito da socialização primária, em meio aos afetos mais profundos e tocantes, que possibilitam a aprendizagem da reciprocidade, do relacionar-se com o outro. Capacita para a escuta, a partilha, o respeito, a ajuda e a convivência.

A humanidade é convidada a compreender e a investir na força educativa da família, criando condições sociopolíticas, humanísticas e espirituais para que essa escola primeira seja qualificada e se mantenha como vetor para as grandes mudanças.

 
 
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
 Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
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