A beleza das decorações ou as alegrias das confraternizações do Natal devem enraizar-se no mais recôndito do coração humano. A preparação para o Natal é um caminho interior para dar sustento e consistências aos caminhos da vida e às vicissitudes que desafiam a existência humana cotidianamente. Sabiamente, a Igreja Católica na sua liturgia do tempo do Advento inclui na proclamação da Palavra de Deus a profecia de Isaías. Os ecos dessa sua profecia têm forças indicativas indispensáveis.
Trata-se de uma profecia que cultiva a inclinação para ouvi-la em razão de ressoar a sua voz com uma singular plenitude. É ímpar a beleza com que Isaías anuncia o Messias. Um anúncio com força de interpretação do presente indicando caminhos novos e a premência de novos propósitos assumidos em âmbito pessoal para configurar e sustentar um tempo novo sempre esperado por todos em cada etapa da história. A profecia tem, pois, força de interpelação. Necessária quando se considera o congelamento de consciências e a naturalidade de certas posturas advindas de arriscadas relativizações de valores e de compromissos cidadãos.
Isaías atuou na história de Israel na segunda metade do século 8 a.C. Historicamente, profetizou quando a poderosa Assur se preparava para conquistar a Síria e a Palestina, tendo assistido a queda do reino de Israel e de Samaria, vendo com os próprios olhos a extrema desolação de Jerusalém. Portanto, um tempo de derrocadas e desolações, morais e na infraestrutura dessas sociedades. Sua palavra torna-se um forte sinal de esperança. Seus discursos ganharam uma admirável contundência na ordem interna da sociedade, situando bem o contexto político mais global e incidindo sobre a conduta moral de cada cidadão, mostrando, com argumentos incontestáveis, o quanto este valor tem força definidora nos rumos da sociedade, levando-a a conquistas ou a derrocadas.
Seu discurso atingia assim uma amplitude jamais vista. Essa amplitude é força educativa indispensável para que uma sociedade supere seus descompassos e consiga fixar seu horizonte emoldurado por razões que não incluem a mesquinhez, a desonestidade, a ganância e a luxúria. O enfrentamento deste embate não pode prescindir das referências morais com suas raízes em tradições e fontes sapienciais. O profeta ajuda uma sociedade perdida a assumir a convicção de que seus desastres advêm da imoralidade e a restauração de sua força brotará sempre da busca de uma conduta ilibada.
O profeta, pois, educa a consciência moral do povo e mostra-lhe que ela é o sustentáculo de suas conquistas, de sua recomposição e a dinâmica de superação de suas incontáveis fragilidades gerando descompassos e pesando sobre os próprios ombros. A derrocada moral dos chefes, a regra de um jogo em que vale tudo e qualquer coisa situa o povo num exílio que traz amarguras. Também faz perder a independência, alimenta as ilusões dos números e das posses, tendo como resultado a projeção em ruínas de todos extremamente enfraquecidos no seu poder que um dia pareceu inabalável e inexpugnável.
A profecia tem, então, como meta a correção desta obstinação que cega impedindo de fixar o olhar noutro alguém. Seu anúncio messiânico convida a encontrar a realidade nova que está visível no coração desse tempo indicando que o novo não virá do simples poder e das posses, mas da simplicidade amorosa da manifestação de Deus. Anuncia assim que ‘um broto vai surgir do tronco seco... das velhas raízes um ramo brotará’. O sinal será dado pelo próprio Deus, pois ‘eis que a jovem conceberá e dará à luz um filho e lhe porá o nome de Emanuel’.
Isaías, entendido de política internacional, e à luz dela interpreta com autoridade os acontecimentos, traz ao povo o único caminho possível, no encontro com o Messias, na força de sua presença, para a superação de tudo o que desfigura uma sociedade que foi poderosa. Um povo que foi forte, de reis imbatíveis agora exilados.
Essa presença, do Messias, Cristo Jesus, o Menino Deus do Natal, é a única fonte com força para incidir na conduta de cada um fazendo de todos capazes. Uma sociedade diferente da lógica que Deus chama de mãos sujas de sangue, dos que, gananciosamente, ajuntam casas a casas, emendando terreno com terreno, diz o profeta Isaías, até não sobrar espaço para mais ninguém, tornando-se donos de tudo.
Na verdade, o profeta revela onde estão as raízes dos males que afligem o povo. Comprova que o povo anda para trás porque abandonou o seu Senhor, na pretensão de ser dono. A vinda do Messias, o Cristo Salvador, tempo de uma nova aliança, traz os ecos da profecia como convite: “Lavai-vos, limpai-vos, tirai das minhas vistas as injustiças. Parai de fazer o mal e aprendei a fazer o bem. Buscai o que é correto, defendei o direito, fazei justiça. Natal é busca do novo pela força dos ecos de uma profecia.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte