O Papa Francisco, em sua Carta Encíclica Louvado Sejas, faz uma grande convocação: é hora de uma reação mais revolucionária e contundente à cultura do descarte. Para além de análises técnicas e científicas, é urgente sensibilizar-se para compreender o que está acontecendo - sublinha o Santo Padre - com a nossa casa, a Terra. Infelizmente, a dinâmica hegemônica que preside as relações e, particularmente, o uso dos bens da criação, é sustentada pela cultura do descarte. O Santo Padre adverte que a Terra - nossa casa - parece transformar-se cada vez mais num imenso depósito de lixo.
Há uma aceleração descontrolada nos processos de mudança da humanidade e do planeta. A vida ganha ritmo cada vez mais frenético e, nesse contexto, o consumismo torna-se parâmetro que baliza funcionamentos. Na contramão de uma vida saudável, o que se constata é um crescente processo de degradação, impulsionado pela perversidade das ações humanas em nome do “progresso” e do “crescimento da economia”. Impõe-se um ritmo que é avassalador frente à dinâmica da evolução biológica.
Obviamente, não é o caso de se opor ao progresso. O que se defende é a reavaliação de perspectivas e processos que não levam em conta o bem comum. Deve-se buscar, sempre, o desenvolvimento sustentável e integral. São fundamentais as ações que permitam à humanidade perceber, cada vez mais, que a cultura do descarte ameaça a vida. Neste sentido, a contribuição de cada pessoa é fundamental. O Papa Francisco fala da necessidade de se tomar dolorosa consciência diante das muitas e complexas questões que nos preocupam. Os congressos, protocolos, fóruns e outras instâncias que objetivam a preservação do planeta precisam efetivar e operacionalizar com mais rapidez os seus propósitos e compromissos.
A cultura do descarte tudo converte em lixo, na dinâmica do desarvorado consumismo, e só pode ser superada a partir de processos educativos que capacitam para a vivência de uma ecologia integral. A própria natureza muito nos ensina. O Papa Francisco chama a atenção para o funcionamento de ecossistemas, que mostra a interdependência entre os seres vivos. Lembra o Santo Padre que as plantas sintetizam substâncias nutritivas que sustentam os herbívoros. Os carnívoros, por sua vez, se alimentam dos herbívoros e dão origem a uma nova geração de vegetais ao fornecerem significativos volumes de resíduos orgânicos.
O ser humano não pode perder-se nas irracionalidades que incentivam, de modo generalizado, o descarte. É preciso engajar-se nos processos educativos que promovem a ecologia integral, especialmente as suas dimensões sociais e humanas. As condições de vida e a sobrevivência precisam ser mais adequadamente pensadas. Nessa direção, o meio ambiente exige que consideremos a natureza como algo que faz parte de nós, não uma simples moldura. Todos são convocados a pensar a íntima relação entre a crise ambiental e a crise social.
Por isso mesmo, quando se reflete, por exemplo, sobre o estado de saúde de instituições da sociedade, imediatamente há de se considerar o impacto que causam no ambiente e na qualidade de vida. É central, pois, falar de uma ecologia econômica, que não pode distanciar-se do humanismo, não permite o divórcio entre a economia e as análises dos contextos humanos, familiares, urbanos, de trabalho, da relação do ser humano consigo mesmo e com os outros. Também é imprescindível promover uma ecologia social, quando se considera a responsabilidade das instituições que regulam as relações humanas.
No processo de enfrentamento da cultura do descarte, não se pode desconsiderar o crescente problema da violência, o comprometimento da liberdade e a prática perversa da injustiça. É muito grave a hegemonia da postura consumista do ser humano, impulsionada pelos mecanismos da economia globalizada. Lamentável também é a pobreza legislativa de países que não conseguem fortalecer as instituições responsáveis em promover o bem do povo. O que se vê é um sacrifício imposto, principalmente, aos mais pobres.
É urgente trabalhar para uma recuperação da interioridade, ameaçada pelo consumismo, pelo descarte que produz lixo, de modo ilimitado, gerando descompassos que arruínam as condições necessárias para uma vida sustentável. A insanidade destes tempos precisa ser debelada a partir de investimentos e compromissos com a compreensão e a prática de uma ecologia integral.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte