Há muito tempo a Igreja Católica, pelo Magistério dos Papas, tem alertado e configurado um horizonte ético visando a mudanças para este cenário estarrecedor de desrespeito e vandalismos no tratamento da natureza. O Papa Paulo VI, por ocasião do octogésimo aniversário da encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, insistia que “por motivo de uma exploração inconsiderada da natureza, o homem começa a correr o risco de destruí-la e de vir a ser, também ele, vítima dessa degradação”. Não é outro o cenário mundial, exigindo uma postura diferente dos cidadãos e também um investimento fortíssimo na consciência ecológica, que não deve considerar simplesmente a natureza em si mesma, mas articular esta consideração com a própria condição humana, avaliando seriamente, para intuir modificações no modus vivendi, condutas e cidadania nas sociedades.
O Papa Paulo VI, naquela ocasião, fazia uma observação de cunho profético ao dizer que, em consequência, “não só o ambiente material se torna uma ameaça permanente – poluições, lixo, novas doenças, poder destruidor absoluto – mas é o próprio contexto humano que o homem não consegue dominar, criando assim, para o dia de amanhã, um ambiente global que se lhe poderá tornar insuportável. Problema social de grande envergadura, que diz respeito à inteira família humana”.
Portanto, a crise ecológica que está em curso precisa ser enfrentada incluindo também como capítulo central tudo o que se refere à ecologia humana. Ora, há um caráter prevalentemente ético que reveste esta crise ecológica. Esta dimensão ética é de responsabilidade de todos os cidadãos. Há uma questão de ordem moral que subjaz no quadro das relações entre as pessoas e a natureza, entre as criaturas e a criação. A degradação ambiental atinge frontalmente a família humana inteira. Hoje, já se fala em refugiados ambientais: pessoas que, em razão da degradação do ambiente onde vivem, se veem obrigadas a abandoná-lo, perdendo os seus bens, suas tradições e os elementos constitutivos de sua identidade.
A consideração, por isso, não pode se restringir ao tratamento e busca de soluções para o fenômeno das alterações climáticas, a desertificação, deterioração e perda de produtividade de vastas áreas agrícolas, poluição de rios, nascentes e lençóis de água, a perda da biodiversidade, o aumento das calamidades naturais, o desflorestamento das áreas equatoriais e tropicais. O Papa Bento XVI, em sua mensagem - cuidado pastoral em reacender um horizonte mais largo na consideração desta crise ecológica - indica o quanto se torna urgente o capítulo que trata da responsabilidade pessoal, social e política de cada cidadão.
Há um sério impacto no exercício dos direitos humanos, quando se pensa o desenvolvimento, sua concepção e efetivação, o direito à vida, à saúde e à alimentação. Não se pode enfrentar, adequadamente, esta grave crise ecológica sem questionamentos cruciais quanto ao entendimento do desenvolvimento. Também não se pode prescindir de uma aprofundada avaliação, para novos entendimentos e consequente conduta nova, sobre a visão do homem e das suas relações com os seus semelhantes e com a criação.
O Papa Bento XVI insiste na inadiável revisão profunda e clarividente do modelo de desenvolvimento e de todos os desdobramentos que o configuram, especialmente a economia. Esta audácia de rever o conjunto do desenvolvimento praticado na sociedade mundial vai revelando a crise cultural e moral do homem contemporâneo. Os sintomas estão se manifestando por toda parte. Os esforços precisam se multiplicar, em programas grandes e miúdos, para que uma profunda renovação cultural ocorra. O remédio para a crise ecológica não pode ser simplesmente aplicado na natureza. É preciso redescobrir aqueles valores que constituem o alicerce firme para construir um futuro melhor para todos.