Chama a atenção o número: milhões de pessoas, na sociedade brasileira, sofrem dores físicas crônicas que causam pesados incômodos para a vida diária. Procedimentos e remédios são indicados na busca pela superação destas dores que afligem tanto. Há de se considerar também - embora sem possibilidades de quantificação exata, o volume massivo da dor moral que assola a sociedade contemporânea. É necessário buscar um remédio próprio. Uma dor moral que talvez seja camuflada com a permissividade e o relativismo de valores e princípios inegociáveis.
Incomoda muito a dor física. Quando não sedada, desfigura o viver quotidiano, compromete a qualidade no exercício de responsabilidades e faz perder o gosto por tudo. A dor moral, sem sedativos, pode ser camuflada gerando uma sociedade permissiva com a perda perigosa das referências fundamentais sustentadoras do seu equilíbrio. Assim, explicam-se os absurdos que, no seu seio, alimentam todo tipo de superficialidade e de tratamento inadequado da vida como dom.
A corrupção moral, no seu volume crescente, tem a ver com a incapacidade contemporânea de enfrentamento da dor moral, que assumida, embora dolorosamente, tem a propriedade peculiar de reorientar razões, refazer sentimentos na sua nobreza própria e despertar, permanentemente, para o sentido da solidariedade. O mundo do sofrimento humano, portanto, é um fenômeno vasto sob as mais diversas formas. O conjunto das dores físicas, morais e espirituais povoa a existência humana. São as enfermidades, a morte, solidão, fadiga, tédio, medo, falta de sentido da vida, insucessos, aborrecimentos, violência e isolamento, guerra, fome, opressão, injustiças, amizades traídas, injúrias e enganos, o pecado e a culpa. Tudo isso é fonte de dores e sofrimento.
O volume da dor é tão grande que quase se pode considerá-la uma segunda natureza. Remete ao interior da pessoa sofredora. Lá, no mais recôndito, está a pergunta: por quê? A interrogação toca a causa, a razão e o sentido da dor que configura o sofrimento humano. Neste horizonte largo, há um longo caminho. Uma referência ao padecimento daqueles que estão bem próximos ou distantes, na mesma sociedade ou alhures, em sociedades que são só cenários de dramas humanos, onde os horrores da guerra e da fome, da corrupção e da ganância gritam por um remédio. É o remédio da solidariedade, entendida e praticada não simplesmente como definia o Direito Romano, como obrigação moral, mas enquanto aponta a pessoa como indivíduo aberto às relações com os outros.
A compreensão adequada da pessoa humana não prescinde do significado de solidariedade. Ora, a genuinidade do indivíduo se configura, se define e se revela por sua dimensão relacional. A liberdade de cada um se consolida na força de sua capacidade desenvolvida e exercitada na comunhão e no diálogo. Essa compreensão revela, pois, o fundamento que define a pessoa como aquela intimamente ligada aos outros seres humanos, despertando-se permanentemente para o chamado de construir com eles um mundo mais fraterno e solidário. Supõe atenção sensibilizada às dores e sofrimentos humanos, uma necessidade e uma premente exigência no cultivo da consciência solidária como remédio para uma humanidade dilacerada pela desconfiguração moral responsável por desmandos e abusos que atrasam metas indispensáveis para a paz e a justiça no seio da sociedade.
É preciso voltar a atenção, neste momento, não apenas para os mecanismos e dinâmicas do funcionamento lucrativo, até perverso, da economia. Não considerada essa indicação, se perpetuará ou se arrastará a incompetência gritante, apesar da inteligência luminosa pós-moderna, na solução de problemas como a fome, a miséria e a exclusão que vão multiplicando os bolsões desumanos de miséria e marginalização.
As dores e sofrimentos que afligem todos, em proporções e modalidades diversas, precisam ser enfrentados com o remédio da solidariedade. Esse remédio não se compra aqui e acolá. É produzido para o consumo diário no bojo da conduta cidadã, fecundada pelo conjunto dos valores evangélicos, com sua iluminação própria, indispensável e insubstituível, incidindo permanentemente sobre a conduta individual em fidelidade ao princípio da igualdade, dignidade e direitos, em vistas de uma unidade a ser consolidada e mantida.
A condição humana, assolada pelas dores e sofrimentos, precisa da solidariedade como princípio social e como virtude moral, configurando, enquanto exercício, o tecido ético-social que a sociedade contemporânea necessita para deixar de hospedar cenários abomináveis de discriminação e indiferenças. A solidariedade como virtude moral é o exercício do compromisso cidadão pelo bem comum - remédio a cada pessoa e na sociedade para suas dores e sofrimentos.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte - MG