Chama atenção a forma cada vez mais extremada com que as pessoas julgam instituições e pessoas. Eis um fenômeno que merece redobrado cuidado de todos. Também as instituições devem contribuir para dissipar algo que já está ocorrendo, em nível preocupante: radicalismos e fundamentalismos ao tratar quem é diferente. A incapacidade para se relacionar com quem tem perspectivas divergentes faz com que grupos se tornem guetos, alimenta segregações, cria campo fértil para intolerâncias. A origem desse problema encontra-se naqueles que se julgam no direito de partilhar inverdades.
Expressar juízos, obviamente, é parte integrante do exercício da cidadania, indispensável na compreensão de processos que contribuam para a vida social. Por isso mesmo, a diversidade de pontos de vista é uma riqueza e precisa ser bem compreendida nas mais diferentes instituições e segmentos da sociedade - do partido político à empresa, da instituição educacional à religiosa. Enfim, a emissão de juízos é um direito e um dever de todos. Sem esse direito e dever não haveria a vitalidade indispensável aos campos da religião, ciência, educação, cultura e tantos outros. Daí a rejeição a todo tipo de configuração política que impeça a livre expressão, a participação e o debate.
O mundo contemporâneo oferece facilidades para a formulação de juízos, com uma infinidade de caminhos para a partilha de todo tipo de informação e de opiniões. O desafio é que, diante desse contexto, seja possível alcançar uma configuração sociocultural, religiosa e moral sem distanciamentos da verdade, do bem e do compromisso com a justiça. É assustador ver grupos vociferando, de forma desrespeitosa, em manifestações que mais parecem histeria generalizada, sem o mínimo de serenidade. Quem age com serenidade, verdadeiramente em busca do bem comum, tem capacidade para dialogar. Não se dedica a acusações sem comprovação, ou ao uso da força para impor as próprias convicções.
Lamentavelmente, posturas nada ponderadas que revelam falta de lucidez têm contaminado ambientes diversos, desde a política partidária ao próprio contexto da Igreja Católica, a exemplo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A instituição, que merece todo respeito por tudo que vem fazendo para a Igreja e a sociedade, é submetida ao “banco dos réus” por pessoas que merecem ter seus argumentos confrontados. As redes sociais parecem ter sido alçadas ao status de tribunal. Na internet, muitas vezes são publicadas opiniões de modo intempestivo, sem qualquer embasamento, promovendo a condenação de pessoas e instituições.
Ao invés de promover aproximações e diálogos, muitas pessoas, nas redes sociais, contribuem para ampliar o distanciamento, se aprisionando em suas certezas, sem qualquer espaço para a construção de entendimentos e consensos. Fica, assim, mais difícil fazer escolhas acertadas e amadurecer opiniões, alicerçadas na verdade e na justiça. E esse fenômeno de execrações e agressões, “ponta do iceberg” das intolerâncias, leva a sociedade ao caos. Alimenta a crescente violência, promove guerras, fomenta o ódio, a busca por “fazer justiça com as próprias mãos”. A postura de cada pessoa não pode assemelhar-se à do califa que, conforme a narrativa, achou oportuno queimar todos os livros da inigualável biblioteca de Alexandria, por considerar que uma única obra continha toda a verdade e, portanto, as outras eram dispensáveis.
A falta de capacidade para colocar-se no lugar do outro, de considerar diferentes perspectivas, faz nascer o fundamentalista, o radical, aquele que não permite a inovação nos funcionamentos e procedimentos. Quem se aprisiona nas próprias convicções não está aberto a evoluir, condenando também à inércia as ambiências onde está inserido. Essa limitação inviabiliza o diálogo e, consequentemente, contribui para camuflar a mediocridade de certas pessoas que deveriam exercer a liderança, mas que se acovardam diante da exigência do saudável debate. Gente que se contenta em apenas defender a “própria pele”, alimentando o carreirismo e os interesses que estão muito aquém das dinâmicas novas que precisam ser intuídas diante das necessidades atuais.
O remédio para superar as distâncias é investir no diálogo, não simplesmente como conversa demagógica ou caminho para debates conceituais, mesmo que consistentes. O diálogo a ser buscado é o que envolve pessoas capazes de articular a dimensão conceitual com a capacidade afetiva-ética-moral-espiritual, indispensável para se posicionar de maneira corajosa e inventiva. Sem esses diálogos não se operam mudanças e as limitações prevalecem. Esses limites, se não forem vencidos, contribuirão para o crescimento das intolerâncias e o envelhecimento das instituições. Não renovadas, as instituições, em todos os níveis, pagam alto preço, fazendo multiplicar passivos que distanciam a sociedade da verdade e do respeito à dignidade humana. Todos reconheçam a necessidade de se investir em diálogos - chave para superar limites.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
[caption id="attachment_56434" align="alignnone" width="500"] Ilustração: Jornal Estado de Minas[/caption]