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Diálogo, nome do amor

Diálogo é, incontestavelmente, um nome do amor - amor de Deus, mistério insondável e inesgotável. Ao mesmo tempo, o diálogo constitui caminho singular para se cultivar a maior competência humana: a capacidade para amar. Sem diálogo, toda discussão pode levar a enrijecimentos insuperáveis, a defesas conceituais que, mesmo com exatidão e fidelidade a valores, não promovem conversão ou mudanças urgentes para este terceiro milênio. Dialogar é gesto de amor, que se desdobra em cuidados, respeito e reverência incondicional ao outro. Trata-se da única possibilidade de se administrar as diferenças, tornando-as riqueza humanística para a conquista de um tecido civilizatório caracterizado pela amizade social, pela tolerância e por inegociável compreensão da dignidade humana - cada pessoa é filho e filha de Deus.

O convite para o diálogo deveria ser aceito por todas as pessoas, instituições e segmentos sociais. Ao acolher este convite, são evitados os prejuízos amargos dos negacionismos e obscurantismos – alicerces das polarizações, agressividades e reações intempestivas. Essas perdas causam um vazio existencial em seus promotores, envergonha-os diante da opinião pública. Por isso, a direção a ser seguida é a do diálogo que capacita para o amor. Um exercício que requer lucidez moral e equilíbrio emocional para evitar que confrontos tornem-se “pé de guerra”.  As altercações devem desenhar um horizonte de entendimentos para levar soluções aos problemas contemporâneos.

Há os que apresentam a seguinte questão: com quem se deve dialogar? A resposta aponta para significativo desafio existencial, pois o diálogo entre os que partilham os mesmos princípios é mais fácil e confortável. Mas é preciso sublinhar a dimensão educativa inscrita em todo processo dialogal para alargar horizontes de compreensão: além de simples altercação de pontos de vista semelhantes, dialogar é processo amoroso, construtivo e edificante, capaz de levar ao que é sagrado e urgente – aproximar-se e se deixar iluminar pela luz da verdade, que liberta. Esse processo amoroso encontra obstáculos, pois há visões de mundo estreitas, com valores comprometidos, verdadeiras ameaças à competência humana e espiritual para a formulação de entendimentos livres de preconceitos. O exercício do diálogo não pode ser entendido como simples entrincheiramento no “quartel de pontos de vista”.  Trata-se de prática que remete à essencialidade do amor.

A incompetência dialogal, emoldurada pelas escolhas defensivas e medrosas, particularmente diante da pluralidade, está enjaulando a sociedade em mediocridades que se manifestam a partir de agressividades, irracionalidades e ódios. Dialogar é se exercitar na arte da escuta, na contramão dos desvarios correntes na contemporaneidade, revelados nos acirramentos das violências e discriminações. A incompetência para dialogar se revela também nos medíocres que querem um protagonismo a todo custo, reivindicando um reconhecimento que jamais virá sem a abertura para o diálogo construtivo, que pressupõe confrontos educativos, com resultados incidentes para a vida social.

A capacidade para dialogar não pode ser perdida, uma competência indispensável para se alcançar avanços na humanidade. Para além de bate-papo ou descomprometida troca de opiniões, dialogar é atitude de caridade e tarefa educativa, na escola, na família e em todos os ambientes. Investir no diálogo é fundamental para avançar na edificação da amizade social, a ser sempre promovida pelos cristãos ao sabor do Evangelho de Jesus Cristo. Trata-se ainda de caminho que inspira intuições criativas, para dar mais vigor à arte, profecia à fé, encantamento pelo outro, reverência ao meio ambiente, inspirações para arquitetar uma nova ambiência sociopolítica e econômica.

O diálogo, para além de bate-boca - coisa de fundamentalistas e de gabinetes de polarizações - é investimento exigente e envolvente, para fortalecer instituições, recuperar a poesia deixada de lado, incrementar a arte, fecundar a mística da fé, resgatar a civilidade e inspirar intuições capazes de solucionar graves problemas da atualidade. Neste caminho quaresmal, o Papa Francisco lembra que Jesus não dialoga com o diabo. Não se deixa envolver porque o diálogo é experiência de amor. A partir do que é singular da fé cristã, todos busquem o diálogo - caminho que leva a um mundo aberto, compromisso de amor que é alicerce para a amizade social.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

Ilustração: Jornal Estado de Minas

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