A onda de insatisfação popular neste momento da sociedade brasileira é interpelativa. Essa interpelação precisa afetar desde os governos, passando por todas as instituições, religiosas, educativas e culturais, até os ambientes familiares, envolvendo cada cidadão em particular. A lista das insatisfações inclui, prioritariamente, os rumos da governabilidade, os funcionamentos no conjunto da sociedade, como também não exclui o que é de caráter estritamente existencial.
O momento está caracterizado pelo peso de exigências que parecem inatingíveis. Projeta, numa vala de lamentações e desânimos, a credibilidade que deveria sustentar os processos e impulsionar inovações capazes de apontar as saídas para as crises que se abatem sobre essa pobre sociedade. Pobre, sobretudo, porque tendo a oportunidade de se organizar adequadamente, carece de líderes competentes para imprimir rumos novos aos processos, envergadura às instâncias ocupadas e inventividades que não permitam o encastelamento de chefias e representações no gênero literário próprio do profeta Jeremias: a lamentação.
Agora, em meio à crise, é hora da aprendizagem. De utilizar o desafio próprio do interno de toda crise - econômica, política, existencial - para desenvolver a capacidade de conduzir processos e legar à cultura, tecido constituinte da sociedade, um horizonte novo. De partir da crise para criar a consistência mais adequada e, assim, não correr o risco de perder o que se tem de bom e, mais terrivelmente, não conseguir avançar, abrindo mão das oportunidades. Alguns focos são importantes e decisivos neste momento do País, como também acontece na vida de cada cidadão. A perda de foco e o desespero de abraçar tudo e todos ao mesmo tempo podem ser fatais, a exemplo de um náufrago que se debate muito, perdendo as forças e a chance de continuar a viver, bem próximo do porto procurado.
Entre os focos essenciais neste momento, como reação e resposta, é fundamental incluir a importância capital das lideranças que precisam despontar nos diferentes ambientes e no coração das instituições. Como bem advertem os que refletem sobre o assunto, não se está à procura de chefes, mas de líderes. A liderança se constrói essencialmente pelo caminho determinante do foco para este momento, que é o diálogo. Nossa cultura precisa exercitar-se na capacidade do diálogo, o que não significa muita conversa, pois se conversa muito, fala-se sobre tudo, até mesmo daquilo que não é da própria conta. Mas o resultado são conchavos interesseiros. Tramam-se derrubadas e impõem-se prejuízos para os outros. A mesquinhez da cultura da disputa e da incompetência humana e profissional produz o fracasso do outro e a ascensão daquele que passa a ocupar o lugar vazio sem o esforço honesto e qualificado.
A escassez de líderes, em todos os níveis, ocasionada pela falta do diálogo, tem criado e reforçado uma cultura mesquinha cujas soluções se dão exclusivamente pelo prisma do dinheiro. A economia, então, torna-se perigosa arma e não instrumento de regulações para garantir a solidariedade e a justiça. Ao contrário, produz privilégios e perpetua a exclusão social. A ausência de lideranças e do diálogo vai deixando os funcionamentos institucionais, religiosos, políticos e governamentais em campo de guerra onde uns lutam contra os outros, instigados pelos ciúmes e pelas invejas que envenenam e corroem.
Para superar os aspectos negativos dessa realidade, o enfrentamento da crise e tudo o que ela envolve, em respeito à onda de insatisfação popular, deve se eleger o diálogo como prioridade. Esse pode ser o mecanismo para reconfigurar a cultura, no atual momento, esgarçada e sem forças para garantir a mínima credibilidade em relação a governos, instituições, políticos, investidores e investimentos. As condições necessárias se esvaem não porque foram transportadas para a estratosfera, mas porque as escamas dos olhos não permitem a clareza que o momento atual exige para fazer despontar lideranças e convencer cada cidadão da responsabilidade e importância de sua contribuição. É hora, sobretudo, de dialogar. Ninguém pode se encastelar em suas casas e escritórios. É hora de descer às ruas, ir ao encontro dos pobres, dar ouvidos ao povo, é hora de se aproximar de todos.
Certamente, nesse momento, líderes governamentais não despontarão e não serão capazes de soluções inovadoras, nascidas de dentro da crise, se não exercitarem-se incansavelmente no diálogo. Não se trata de negociações palacianas visando à distribuição de fatias do poder ou da busca mesquinha de garantias de vitórias político-partidárias. Trata-se do diálogo que gera a cultura da “pertença”, da dignidade, da reverência ao outro e da compreensão da cidadania vivida como instrumento determinante na construção da sociedade nova que precisa nascer. Trata-se de algo muito simples. Do diálogo filosoficamente entendido como atitude própria do homem capaz de se dirigir e de responder ao outro como igual, para com ele estabelecer uma relação. Essa é a primeira resposta às insatisfações populares, sintomáticas da necessidade de mudanças.
O diálogo, sempre e em todas as circunstâncias, evitando arbitrariedades e autoritarismos, é o caminho permanente para gerar uma cultura digna da nação que somos. É preciso dialogar para aprender a ser sincero e, na sinceridade, fazer o que se faz com seriedade. Quem não dialoga não diz de si, não diz a verdade. Quem não sabe dizer de si, não escuta. E quem não diz a verdade trava o diálogo e a consequência disso será sempre o fracasso e a insatisfação. Não há quem dê conta dessa onda.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte