Desarmar o coração é meta essencial à conquista da paz, orienta o Papa Francisco, na mensagem para o Dia Mundial da Paz. Trata-se também de importante propósito para este Ano Jubilar, celebrado pela Igreja Católica, no mundo inteiro, quando todos são chamados a ser peregrinos de esperança. Cada pessoa deve buscar desarmar o coração, conforme motiva o Papa Francisco, indicando que, muitas vezes, é suficiente um gesto simples, a exemplo de um sorriso, um olhar fraterno, uma escuta sincera, um serviço gratuito. O Santo Padre recorda que esses simples gestos guardam grande força essencial à construção da paz. No contexto desta simplicidade, corações desarmados, capazes de operar corajosos e transformadores propósitos, precisam ser cultivados. Desarmar o coração é, pois, significativo broto de esperança que conduz pessoas e nações no caminho da reconciliação, favorecendo o despojamento de tudo o que impede a paz. Um broto que inspire o respeito incondicional à vida humana, em todas as suas etapas, desde a primeira, na concepção, até a última, com a morte natural.
Do coração humano deve partir o compromisso e a disposição para efetivar as transformações necessárias à sociedade, contribuindo para edificar uma organização sociopolítica capaz de erradicar cenários de miséria e de fome, situações de exclusão e garantir estilos de vida que estejam em harmonia com a casa comum. Nessa busca pela construção de um mundo mais justo e solidário, o Papa Francisco, em sua mensagem para o Dia Mundial da Paz, retoma importante proposta para devolver dignidade a populações inteiras, colocando-as no caminho da esperança. Trata-se da audaciosa sugestão de São João Paulo II, apresentada em 2000, ano jubilar que marcou o início do terceiro milênio: a redução significativa ou mesmo o total perdão da dívida internacional que pesa sobre o destino de muitas nações.
A dívida mantém muitos países na escravidão da pobreza, submetidos a um domínio que impede o seu desenvolvimento, inviabilizando uma vida digna para seus cidadãos. O caminho para perdoar a dívida dos países pobres é indicado pelo Papa Francisco: os países ricos reconhecerem a sua própria dívida, relacionada aos danos ambientais que provocaram. Trata-se, pois, de engenhar uma nova arquitetura econômica, pelo confronto entre dívida ecológica e dívida financeira. Essa proposta pode configurar um horizonte transformador, de mais esperança para a humanidade. A dívida externa se tornou um instrumento de controle nas mãos de instituições financeiras e de países ricos que, indiscriminadamente, exploram recursos humanos e naturais dos países pobres, conforme denuncia o Papa Francisco. Assim, os países pobres são cobrados pela dívida externa, mas, ao mesmo tempo, sofrem as consequências da dívida ecológica gerada pelos países desenvolvidos.
Relevante e determinante é defender a vida humana, promover a sua dignidade, em todas as suas etapas, buscando vencer a miséria e a fome. A promoção da cultura da vida inclui também eliminar a pena de morte, existente em muitas nações. A esperança humana do perdão e da renovação não pode ser aniquilada. Papa Francisco retoma a indicação interpelante de São Paulo VI e Bento XVI, considerados estes tempos de guerras: utilizar expressiva parte do orçamento destinado à produção de material bélico para constituir um fundo mundial dedicado à erradicação da fome e à realização de atividades educativas, que promovam um desenvolvimento sustentável nos países mais pobres, lutando contra as alterações climáticas. O Papa Francisco lembra que o futuro é um dom que permite ultrapassar os erros do passado e construir novos caminhos de paz. Caminhos que, para se efetivarem, pedem mudanças culturais e estruturais, a partir do reconhecimento de que todos são filhos do mesmo Pai, todos são devedores e necessários uns aos outros, conforme a lógica de responsabilidade partilhada.
Desarmar o coração neste ano jubilar é aceitar o convite-interpelação de enfrentar injustiças e desigualdades vergonhosas. Todos são corresponsáveis pelas devastações do meio ambiente e pela desarmonia no planeta – ninguém deve alimentar conflitos de nenhuma espécie. Gestos de solidariedade não podem estar restritos aos atos filantrópicos, mas constituir um conjunto de atitudes cotidianas marcadas pelo amor ao semelhante. As desigualdades precisam gerar muito incômodo, em todas as pessoas, para que ninguém permaneça indiferente, sem se comprometer com a busca por soluções. O empreendimento transformador no horizonte da humanidade, neste momento de sua história, é grande e complexo. Precisa incluir o desarme do coração humano, para permitir o alvorecer de sentimentos altruístas, que inspirem a reconciliação e a necessária lucidez para se viver com solidária fraternidade. Desarme, diariamente, o seu coração, fazendo-se parte do necessário mutirão de operários construtores da paz.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte