Princípios e estratégias exitosas de governança corporativa, ou o uso de modelos gerenciais novos com metas ousadas para garantir procedimentos administrativos e financeiros que possibilitem adequado tratamento do estatuto de prioridades e necessidades - ou ainda, a indispensável e exigente competência técnica nos diferentes campos do saber fazer não têm sido suficientes para alavancar, com fecundidade, na direção e na medida certa, os fluxos dos processos que configuram o tecido social, político e econômico da sociedade contemporânea.
Um tecido que urge uma configuração de mais justiça, respeito às coisas públicas, probidade nas responsabilidades administrativas e empenho marcado pelo sentido do bem comum. As estruturas de produção e o capital, o novo poder contemporâneo, com origem nos primórdios da indústria moderna, não se mantêm na direção certa, sem perder rumo, como a colocação do poder nas mãos de poucos, ou a facilidade de manipulação gerando prejuízos, apenas com o que se compreende e com o que se faz no âmbito do que é o gerenciamento moderno.
É sempre urgente o esforço cotidiano por balizamentos éticos que supervisionem funcionamentos e se constituam como o tecido da consciência. As tentativas e empenhos de movimentos pela ética não têm sido suficientes para mudar o cenário que se revela na panacéia de desmandos, manipulações, improbidades e tantos prejuízos que estão, diariamente, desfilando diante dos olhos de todos - fontes de comprometimentos da cidadania e do sentido da dignidade humana. Na verdade, é preciso retomar, de novo, um grande empenho pela ética.
É preciso um verdadeiro choque porque as incursões feitas em busca da ética na política ou na economia não surtiram ainda os efeitos desejados e necessários. É triste assistir a corrosão de instituições que devem primar pela probidade, e o crescimento de procedimentos mentirosos, em pequena e grande escala, na corporação de grupos ou partidos, na manipulação de instituições ou no comportamento moral de indivíduos. É óbvio que são indispensáveis os ajustes nos funcionamentos normativos reguladores da vida em sociedade.
Assim é a campanha Ficha Limpa enquanto esforço de se conseguir 1.309.508 assinaturas de eleitores, 1 % do eleitorado brasileiro, ainda que possa esbarrar em princípios constitucionais quanto à exata formulação do Projeto de Lei de Iniciativa Popular. É também sinal evidente de que está em curso na sociedade um empenho pela ética. Curioso é que não tem sido tão fácil conseguir este 1 % de assinaturas. Redobra-se agora, na reta final, o esforço. A lentidão para se alcançar a cifra exigida revela alguma apatia a ser quebrada para devolver à consciência cidadã seu sentido exato e o alcance dos compromissos para vivê-la.
Importante é que por este meio, como necessário se faz por outros, se está colocando em discussão a desqualificação ética que grassa na sociedade brasileira exigindo procedimentos e posturas arrojadas nessa direção. É incontestável a evidente demonstração de que o dever central da política está comprometido. A justa ordem da sociedade e do Estado está prejudicada por um exercício inadequado e incompetente da política - que é, pois, um exercício de alta responsabilidade para regular o funcionamento do Estado segundo a justiça, para não correr o risco de reduzir-se, lembra o Papa Bento XVI, na sua Carta Encíclica ‘Deus é amor’, n. 28, citando Santo Agostinho em De Civitate Dei, IV,4, a uma banda de ladrões. Neste mesmo número o Papa frisa que “a justiça é o objetivo e, consequentemente, também a medida intrínseca de toda a política, que é mais do que uma simples técnica para a definição dos ordenamentos públicos: a sua origem e o seu objetivo estão precisamente na justiça, e esta é de natureza ética”.
A realização da justiça e o exercício ajustado da cidadania remetem a princípios e procedimentos de natureza ética. Não basta garantir princípios éticos nos mecanismos e nos funcionamentos normativos e legais reguladores da política e da vida na sociedade. Urge considerar que o indivíduo, na formação de sua consciência e na sua manutenção, precisa de processos educativos permanentes para introjeção, assimilação e vivência dessas regulagens como remédio para patologias que afloram pela conduta pessoal trazendo prejuízos nefastos para a comunidade.
Põe-se o desafio em relação a atores e instituições que possam estar no cenário da sociedade como guardiães e promotores destes processos. A garantia dessa qualificação não está simplesmente na consideração dada de um lugar já ocupado, de uma instituição já consolidada e nem mesmo até de uma religiosidade vivida nessa ou naquela opção confessional. É urgente avançar mais na identificação das causas que estão comprometendo a conduta ético-moral dos indivíduos.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte