A catástrofe climática no Rio Grande do Sul é estrondoso grito que deve alertar a sociedade brasileira para a necessidade de mudanças no tratamento dedicado ao meio ambiente. Com a tarefa da reconstrução, é muito necessária uma análise crítica inadiável sobre as legislações vigentes, em nível federal e nos âmbitos estaduais. Sabe-se que a lógica cega e perversa do lucro, com justificativas de desenvolvimento econômico, preside escolhas políticas e até decisões judiciais. Com facilidade, anuncia-se o fim de práticas que ameaçam o meio ambiente, mas o que se verifica é uma simples substituição por outros procedimentos igualmente prejudiciais. Essas substituições são anunciadas como se fossem benéficas a partir de pesado investimento midiático e se efetivam com manipulações nas instâncias decisórias. Nessa lógica, propagandeia-se que o simples tratamento de uma nascente compensa graves prejuízos provocados a um determinado sistema hídrico, desconsiderando sua fundamental importância no abastecimento de água. Justifica-se o dano causado ao meio ambiente defendendo a geração de empregos, mas são desconsideradas as perdas maiores causadas pelo assoreamento e a extinção dos cursos d’água. Ainda há, pois, uma incompreensão a respeito do que significa ecologia integral.
A ecologia integral deve constituir um estribilho que precisa ser cantado diariamente, na contramão de uma busca por excessivo lucro que, apesar de parecer caminho para o desenvolvimento, apenas enriquece oligarquias, deixa rastro de destruição que leva a catástrofes climáticas, a incontáveis tragédias. Reconhecer o significado de ecologia integral é perceber que cada intervenção no meio ambiente desencadeia muitas transformações, pois tudo está interligado. Quando essa verdade é reconhecida, percebe-se que nada pode justificar um procedimento minerário que ameaça bacias hídricas, por exemplo. Mas grande parte dos megaempreendimentos não considera as relações entre os seres vivos e o planeta. Por isso, convive-se com a gestação silenciosa de catástrofes, acentuando ainda cenários de exclusão social. Uma sociedade, para sobreviver, deve criticamente discernir sobre seus modelos de produção e consumo. Esse discernimento exige honestidade nas considerações e na apresentação de projetos ligados à exploração da natureza.
A sociedade brasileira ainda tem muito a aprender sobre a sua relação com o meio ambiente, para inspirar mudanças na conduta cidadã e nas legislações vigentes. O Papa Francisco, na Carta Encíclica Laudato Si’ – sobre o cuidado com a casa comum, faz importante advertência: conhecimentos fragmentários e isolados podem se tornar ignorância. É preciso reconhecer que, no planeta, tudo se interliga, inclusive as relações. Nesse sentido, a economia não pode ser considerada como uma realidade separada das relações ambientais, sob pena de contaminações perigosas, prejuízos graves, com consequências irreversíveis, principalmente a perda de vidas. Deve-se levar em conta a íntima relação entre crise ambiental e crise social, conforme ensina a Laudato Si’. Os sistemas naturais estão conectados com os sistemas sociais. Dissociá-los leva a escolhas equivocadas, a permissividades que se desdobram em manipulações. O que se vive na atualidade é uma crise não simplesmente social ou ambiental, mas socioambiental. A superação dessa crise exige, pois, um abrangente entendimento sobre o conjunto de problemas para que sejam alcançadas propostas de soluções.
Imprescindível e honesto é considerar o impacto ambiental de um empreendimento a partir da necessária capacidade para ouvir: abrir-se à consideração de pesquisadores, ao diálogo transparente envolvendo diferentes públicos e à sensibilidade de cada cidadão. Deve-se reconhecer também o que ensina o Papa Francisco - cada organismo é essencial por ser criatura de Deus. Da mesma forma, deve-se considerar o conjunto harmônico dos organismos. Criar desarmonia entre os elementos que integram o planeta traz consequências para a existência humana e pode configurar catástrofes. Essencial é valer-se dos recursos naturais de modo sustentável, o que exige considerar a capacidade regenerativa de cada ecossistema. O crescimento econômico não pode ser uma prioridade formatada com sacrifícios ao meio ambiente. Proteger o meio ambiente é um imperativo na garantia do desenvolvimento econômico sustentável.
Ainda é considerável a distância entre a busca pelo desenvolvimento econômico e a adequada postura diante da necessidade de se preservar o meio ambiente. Pode até ser mais fácil visar somente o lucro, mas, cedo ou tarde, a desconsideração sobre a natureza irá trazer consequências na saúde das instituições, pois impacta gravemente na vida humana. Inteligente e interpelante, conforme sublinha o Papa Francisco, é reconhecer que tudo que fere a solidariedade e a amizade cívica provoca danos ambientais. Assim, é preciso reconfigurar legislações levando-se em conta a ecologia integral, para corrigir descompassos agravados por manipulações, interesses egoístas e exercícios inadequados do poder. As violações do meio ambiente continuam perpetradas sob a “vista grossa” de legislações permissivas e insuficientes, com autoridades “mudas”, em uma sociedade ainda despreparada para zelar adequadamente por seu patrimônio ambiental. É necessário investir na educação ecológica enquanto se trabalha para reconstruir aquilo que já foi destruído. Isto significa buscar aprender mais sobre a melhor forma de se relacionar com a natureza, cultivando a humildade para tratar o meio ambiente com reverência. Um caminho essencial para vencer a sedução do lucro que impõe sacrifícios ao planeta e qualificar o exercício da cidadania.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte