A Copa do Mundo no Brasil está desenhando importantes lições apontadas pelo povo, responsável pela progressiva construção de um quadro que, passo a passo, consegue distinguir os muitos aspectos que envolvem o torneio. De um lado, o interesse meramente econômico de dirigentes e mandatários, os altos salários inadmissíveis de jogadores e as indevidas apropriações políticas do esporte. Do outro, o gosto pelo futebol, sua arte e elemento de diversão, e o exercício de fraternidade universal, alegria e confraternização que reúne diferentes línguas, culturas e nações.
Sem perder essa luz própria, mesmo com as sombras de algum cenário de violência e vandalismo, o povo mostra uma força que deve servir de alerta a governantes, especialmente neste ano eleitoral, e a todos os construtores da sociedade pluralista. Trata-se de uma mobilização que não apenas pode, mas deve se manifestar nas urnas. O voto consciente tem a propriedade para reconstruir a sociedade. Para alcançá-lo, é preciso reconhecer-se como cidadão, parte de uma grande comunidade que deve caminhar unida em busca da superação dos desafios que atrapalham o desenvolvimento do país. O ambiente que vem sendo construído pelo povo, ao longo desta Copa do Mundo, pode contribuir para que se alcance esse objetivo.
A vibração pelo esporte e a inteligência de não se perder a oportunidade da confraternização entre as pessoas estão sendo vividas de uma maneira muito singular. Essa particularidade está na postura político-cidadã de gestos como a acolhida aos visitantes e a realização de manifestações pacíficas, altamente significativas. Nos próprios estádios, o povo quebra o protocolo dos organizadores e canta mais forte, de modo completo, o hino nacional, fazendo ecoar um recado de cidadania e o entendimento de que o governo de uma sociedade é feito pelo povo. Deste modo, seus delegados e representantes devem estar a serviço do bem comum.
A Copa do Mundo gera uma oportunidade para o próprio povo mostrar que não é multidão amorfa, inerte, a ser manipulada e instrumentalizada. É, na verdade, a união de pessoas, cada uma no seu lugar e a seu modo, como ensina a Doutrina Social da Igreja Católica, com autonomia para formar opinião própria a respeito da coisa pública e de exprimir sua sensibilidade política em vista do bem comum. Quando os representantes do povo aprendem a ouvir a voz que vem das ruas, em vez de obedecerem aos interesses partidários e de segmentos poderosos, tornam-se políticos dignos de autêntica estatura cidadã, capazes de trabalhar em busca de uma sociedade justa, solidária e civilizada.
O povo está sinalizando aos “profissionais da política”, nos âmbitos legislativo e executivo, que é urgente a comprovação desse pacto com o bem comum antes de se submeter às urnas. A autoridade política não pode ser fruto meramente de conchavos, articulações partidárias interesseiras garantidas pelos leilões de cargos e de vantagens, mas de um incondicional respeito e vivência de inegociável moralidade. Compreende-se, portanto, que a autoridade política não se esgota simplesmente em alguns feitos quase sempre distantes das mais urgentes demandas sociais. Trata-se, justamente, de reconhecer que essa autoridade é o povo, detentor da sua soberania, conforme bem ensina a Doutrina Social da Igreja.
A Copa está confirmando a etapa nova inaugurada em junho do ano passado, quando a sociedade brasileira, em muitas manifestações, fez ouvir a sua voz. Há um senso comum no mais recôndito da consciência popular que está se aflorando pela alegria proporcionada pelo futebol. Um clima de confraternização que não inclui governos e deixa recados para os políticos, mantendo distância daqueles que usufruem absurdamente do que pertence ao bem comum. O Mundial, no conjunto de suas circunstâncias e desdobramentos, participação e debates, manifestações e indiferenças, está fazendo crescer - e que não seja perdida a oportunidade - uma sociedade brasileira politicamente diferente.
Vive-se um momento que precisa de desdobramentos e não pode ser perdido, com o término da Copa e a partir da profusão de discursos políticos obsoletos, particularmente aqueles que se constroem com os ataques mútuos e com as promessas sempre não cumpridas. O Mundial pode mesmo ser um exercício de vitalidade do povo, por suas escolhas de alegrar-se, manifestar-se, manter distâncias, debater e formar opinião de modo que a participação política ultrapasse os atos formais de votar e mesmo de se reunir em associações, partidos e sindicatos. É hora de um passo qualificado na política, diante da insatisfação com governos e representantes, em busca de uma sociedade politicamente mais cidadã e igualitária. Quem sabe, por isso mesmo, esta será para os brasileiros a “Copa das Copas”, porque sem esgotar-se em euforias que permitem manipulações, aponta um amadurecimento político do povo.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte