É tradição fazer a retrospectiva do ano que passou, sempre no final de dezembro. Uma prática indispensável para quem quer conduzir a vida balizada por valores morais e assume o compromisso de ser bom, de desempenhar bem suas responsabilidades e missão. A cidadania ganha muito de quem faz um balanço de seus atos, conduta, palavras e escolhas. Tem muito a ver com a dinâmica do exame de consciência diário que a espiritualidade cristã católica indica.
Essa prática é um caminho indispensável, condição de superação de arbitrariedades, perda de rumos que comprometem a ordem moral e traz grandes prejuízos para a vida familiar, profissional e política. O limiar da contagem dos últimos momentos de 2011 deve ser propício para uma retrospectiva em dinâmica de exame de consciência.
A tradicional retrospectiva veiculada na TV é interessante, pois proporciona uma visão de conjunto de tudo o que se viveu e aconteceu mundo afora. É uma retomada de acontecimentos que inclui as catástrofes e fracassos na política, na economia, momentos de alento mostrando a saudade de celebridades que partiram ou o apogeu de desportistas, artistas e alguns outros. Um enfoque incluído é aquele dos resultados negativos e das perdas causadas pela violência, pelo narcotráfico e pela dependência química, pelas artimanhas políticas e interesseiras. No conjunto desse cenário aparece aqui e acolá brotos de esperança para alentar a passagem do ano e inspirar novos propósitos, tão indispensáveis para que se possa viver melhor.
Inquestionável é a necessidade de conhecer essa retrospectiva com a ajuda de imagens que impactam e reavivam na memória do coração razões de lágrimas, sorrisos, alegrias de conquistas e ternura indispensável. Mas é importante também fazer a própria retrospectiva, na individualidade da conduta cidadã, da experiência da fé e do sentido dado à própria vida. Esse momento é um exame de consciência capaz de fazer brotar um espetáculo que não se esvai facilmente como a meia hora de shows pirotécnicos da noite do réveillon.
A explosão da alegria com a chegada do ano novo pode ser fecundada por uma preparação também pessoal. Um exame individual que pode remeter ao núcleo mais recôndito da consciência para lá viver uma escuta indispensável - antes dos brados de alegria. A escuta faz da interioridade fonte de uma sabedoria que, inteligentemente, reorganiza a vida. É um caminho para a verdadeira felicidade, exercício que sustenta a cidadania e alimenta o gosto pelo bem comum. Uma escuta que gera e mantém o tecido interior de quem acata as exigências do mundo contemporâneo, que pede o fim de práticas cartoriais, de um modo antiquado de fazer política, marcado pelo coronelismo ou pela mesquinhez própria de senhores de engenhos de séculos passados.
É entristecedor conhecer a lista de quem está impedindo avanços mais audazes de projetos que poderiam ajudar instituições a evoluírem. A retrospectiva oportuna nessa preparação para o ano novo precisa considerar e cuidar dos brotos de esperança que devem dar sentido à fraternidade como dom. A compreensão deste sentido é uma força para banir as maldades tácitas que perpetuam disputas e mantém tantos como reféns na armadura de uma estatura pessoal minúscula e pouco cidadã.
A passagem de ano é um convite para viver a vida como admirável experiência do dom, vendo o quanto a gratuidade deve estar presente em todas as ações. Assim é possível romper a visão meramente produtiva e utilitarista da existência. O critério para presidir uma retrospectiva adequada é a consideração de que o ser humano é feito para o dom, graças à capacidade para a transcendência. Esta transcendência cultivada abre o caminho de superação da condição humana ferida e permite alcançar conquistas, na política, na ação social, na educação, na cultura e nos costumes. Do cultivo desta capacidade, nascem muitos novos brotos de esperança.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte