Os avanços na sociedade contemporânea são medidos, quase exclusivamente, considerando os aspectos envolvendo a tecnologia e a economia. Há, no entanto, uma demanda muito pertinente que remete à questão do sentido da vida. Torna-se indispensável conhecer o significado da própria vida, das suas atividades e da própria morte. Há, por exemplo, uma progressiva insatisfação que toca desde a condição existencial do indivíduo, tornando-se veneno que corrói o altruísmo e a alegria do viver, até o alto padrão de vida sonhado nas sociedades contemporâneas. Essa insatisfação contracena com o crescimento da consciência acerca dos direitos invioláveis e universais da pessoa, tornando mais viva a aspiração pelo estabelecimento de relações mais justas e mais humanas. Aspiração que se concretizará no exercício das responsabilidades cidadãs, profissionais e governamentais.
Esse exercício, no entanto, não se efetiva apenas por intermédio de mecanismos técnicos, por mais sofisticados que sejam. O contexto atual está refém de um déficit humanístico, fator que causa uma incompetência generalizada para a adequada condução de processos, a efetivação de projetos e a fecundidade de ações. Essa convicção não encontra lugar na formação acadêmica e nem nos investimentos permanentes que toda pessoa, seja qual for a sua condição e em qualquer âmbito de ação profissional, precisa fazer para respaldar suas ações e garantir a indispensável sabedoria de ver frutos naquilo que se faz.
Por isso mesmo, a importância da formação integral que traz em sua essência os aspectos humanísticos, cujas raízes têm nascedouro também na opção religiosa e no que é próprio de uma prática confessional - o amálgama que rejunta e tempera o que se aprende em qualquer campo do saber e da ciência. É inquestionável a situação deficitária desse substrato humanístico advindo de referências, com força de princípio e de fonte como o cristianismo. Além, é claro, dos valores para consertar situações e garantir ao indivíduo uma indispensável capacidade para ocupar cargos, exercer lideranças e conduzir processos.
É uma lástima e um prejuízo enorme para a sociedade e toda instituição, civil ou religiosa, a distância de um substrato humanístico indispensável e sua substituição pela pretensão ingênua e néscia de ocupar lugares, garantir benesses e dignificar-se pela ocupação de uma cadeira na instituição religiosa, governamental, civil. Há um déficit humanístico que assola o mundo contemporâneo e está precipitando as pessoas à inversão de um entendimento importante e necessário para a saúde da sociedade. Pensa-se mais na ocupação de cadeiras e de cargos para se tornar importante.
O substrato humanístico, alargado e fecundado, gera pessoas de referência que, assentadas na cadeira e ocupando cargos, os dignificam e fazem destes uma alavanca importante nos avanços desse tempo. Confunde-se liderança com domínio autoritário de súditos, ou com artimanhas de conchavos que escondem a verdade e não prezam a transparência e o respeito aos direitos e à justiça; com barganhas que acobertam as mediocridades. Só o substrato humanístico alavanca exercícios profissionais e a condução de processos, nas responsabilidades governamentais e institucionais, com fecundidade.
Não se trata de uma maquiagem externa para impressionar com a mudança de visual ou com o retoque à moda do que se pode fazer com o photoshop. Trata-se de um tratamento da interioridade, aquela que sustenta a capacidade do diálogo, evita os destemperos, equilibra com sabedoria a insubstituível capacidade de interpretação adequada da realidade e dos fatos. É muito difícil porque a interioridade é uma realidade não palpável. Sua revelação se dá na leveza das condutas e na inteireza dos atos entrelaçados com a clareza nobre das ideias e argumentações expostas na inteligência do que se diz, se compreende e se vive na prática.
O momento atual está clamando por pessoas de uma considerável envergadura humanística, entendida como a mais importante competência, emoldurando o que se aprendeu a fazer profissionalmente. A sociedade precisa ser governada por homens e mulheres com essa têmpera. As instituições precisam alargar seus horizontes e construir suas identidades e missões fundamentadas na competência humanística e, assim, escrever outra história.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte