“Quem não tiver pecado, atire a primeira pedra”! O evangelista João, 8,1-11, narra o conhecido episódio quando Jesus foi para o Monte das Oliveiras e, de madrugada, voltou ao Templo, e todo o povo se reunira ao redor dele para ouvir os seus ensinamentos. Enquanto ensinava, os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adultério.
O diálogo entre Jesus e os seus interlocutores revela a intenção perversa destas pessoas buscando um motivo para condenar o Mestre que tanto os incomodava. Esperavam a condenação da mulher. Diante da insistência deles, frisando que na Lei, Moisés mandava apedrejar mulheres flagradas em adultério, Jesus ergueu-se e disse: “Quem não tiver pecado, atire a primeira pedra!”. Essa palavra remeteu, de maneira contundente, os conterrâneos de Jesus ao núcleo mais recôndito de sua consciência.
É central nesse episódio a seguinte cena: “Ouvindo isso, foram saindo um por um, a começar pelos mais velhos. E Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio, em pé”. Por que foram embora sem atirar pedras? As razões apresentadas para a condenação da mulher estavam afiadas na ponta da língua. Mudaram de posição quando foram remetidos ao espaço sagrado da própria consciência, cuja luz deve iluminar a verdade da conduta de cada um e urgir posturas coerentes e balizadas na verdade do amor. Todos saíram, a começar pelos mais velhos.
Supõe-se que os mais velhos tenham se exercitado mais amiúde, pelo tempo vivido e pelas oportunidades, na configuração da própria consciência que acusa, ilumina e indica a verdade de si – aquela que as aparências até podem esconder. Foram embora sem atirar pedras, certamente, porque se confrontaram com a própria fraqueza, levados a reconhecer sua fragilidade sem a pretensão de parecer o que não é, e, até mesmo, de se defender, encobrindo-se com a condenação e desmoralização do outro.
Nesse mesmo horizonte se localiza aquela instigante história contada por Daniel no capítulo treze do seu Livro, a história de Susana - uma mulher bonita e muito religiosa. Seus pais, muito corretos, tinham educado sua filha na Lei de Moisés. Susana costumava passear no jardim de seu marido, Joaquim, homem muito rico e respeitado por todos. Dois anciãos viam Susana todos os dias e começaram a cobiçá-la. Ambos estavam caídos por ela, mas não contavam um ao outro a sua paixão, com vergonha de revelar os seus desejos.
Na tentativa de um enganar ao outro, se convidaram para ir embora por ser hora do almoço. Cada um fez de conta ter ido embora, deu a volta e retornou, e se encontraram no mesmo lugar, tendo que confessar cada qual a sua paixão. Combinaram, então, procurar uma boa ocasião para pegar Susana sozinha. Chegou a oportunidade, quando ela se banhava, tendo solicitado às suas servas que se retirassem. Os anciãos se aproximaram fazendo propostas indecorosas. Caso não aceitasse, espalhariam que ela havia sido vista com um rapaz. Susana não cedeu. Gritou e os da casa vieram.
Nesse momento, os anciãos contaram a sua estória. Os desdobramentos foram terríveis. Os anciãos planejaram arruinar Suzana. Testemunharam contra ela, acusando-a de um encontro amoroso com um rapaz. Daniel, o profeta, apareceu em cena, criticando a posição de condenação sem o julgamento requerido, e apontou como falso o testemunho dos anciãos contra Susana. A apuração da acusação revelou a mentira.
Sugestiva e forte é a palavra de Daniel quando disse: “Ó homem envelhecido na malícia, agora teus pecados vão aparecer, tudo o que já vinhas praticando, ao dar sentenças injustas, condenando o inocente e deixando sair livre o culpado...” Em questão, como fenômeno central deste tempo, no horizonte da sociedade contemporânea, está o problema da consciência.
Curiosamente, parece contracenar com uma permissividade que tem configurado a sociedade moderna com um anseio de moralidade. Será mesmo anseio de moralidade a ira que se levanta atacando pessoas e instituições depositárias do compromisso e fidelidade nos princípios morais? Não pode ser simples orquestração de ataques para diminuir o poder desfrutado por esta ou aquelas pessoas? A indignação diante dos horrores da imoralidade, consequência nefasta de patologias ou de escolhas convenientes e espúrias, remeta os indignados todos e a cada um ao mais recôndito da própria consciência. Este caminho poderá ser o novo que precisa despontar para ordenar as contradições e incoerências que estão tomando conta dos mais diversificados ambientes, instituições e situações.
A coragem de atirar pedras supõe uma coerência de vida com força para sustentar a autenticidade que o mundo está reclamando, sob pena de animalização das relações interpessoais a ponto dos absurdos que vão sendo colhidos aqui e acolá. Quem sabe está se abrindo um ciclo novo para a sociedade com a interpelação que nasce da iluminação da própria consciência? Não basta condenar os outros. É preciso iluminar-se.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte