Artigo de dom walmor

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Dom Walmor Oliveira de Azevedo

Os apelos da Quaresma, tempo precioso que a Igreja Católica, por quarenta dias, consagra como preparação para a Páscoa do Senhor, ecoam na consciência dos cristãos, homens e mulheres. Ecoa porque o núcleo mais importante de cada pessoa é a própria consciência, problema que é um fenômeno central de nosso tempo, como também é central na reflexão moral cristã. O contexto contemporâneo está na fase de reconhecimento e valorização, cada vez mais nítida, da responsabilização da pessoa e do caráter originário de sua consciência. 

Já é distante a fase na qual houve a exaltação unilateral da lei objetiva -da polis e do jus do Estado romano -, passando pela consideração estóica da consciência como seu eco e reflexo, até a responsabilização de cada pessoa considerando-se a essencialidade de sua consciência, condição determinante na vivência da dignidade e responsabilidade ao estruturar-se como cidadão. Estas referências são suficientes para concluir que os apelos da Quaresma, por configuração própria de sua significação ética e moral, e garantia da sustentabilidade do que é próprio da consciência, podem e devem ecoar no coração dos cristãos. Bem como, no de toda e qualquer pessoa, como ajuda indispensável para correção, acertos e manutenção do que é a sua mais importante referência de sustento: a consciência, com sua moralidade e princípios que a mantêm com integridade. 
 
O evangelista Marcos, no capítulo sete do seu Evangelho, narra com maestria inigualável, de maneira direta, simples e muito eficaz, como Jesus – o cordeiro pascal imolado na grande festa da redenção, a Páscoa -, ensina aos seus discípulos esse importante e básico entendimento moral, disciplinar e comportamental. Depois de falar à multidão, já a sós com os discípulos, em casa, enquanto lhe faziam perguntas sobre os ensinamentos de suas parábolas, por ter dito que o que sai da pessoa é que a torna impura, esclareceu: “Também vós não entendeis? Não compreendeis que nada que de fora entra na pessoa a torna impura, porque não entra no seu coração, mas no estômago, e vai para a fossa?” Assim Jesus declarou puro todo alimento. E acrescentou: “O que sai da pessoa é que a torna impura. Pois é de dentro, do coração humano, que saem as más intenções: imoralidade sexual, roubos, homicídios, adultérios, ambições desmedidas, perversidades, fraude, devassidão, inveja, calúnia, orgulho e insensatez. Todas essas coisas saem de dentro e são elas que tornam alguém impuro”. 
 
O coração é a consciência da pessoa. Aí é que está o sustento ou a derrocada de suas opções, comportamentos e compromissos éticos e cidadãos. Tendo um coração, uma consciência, cada pessoa é precisada e depositária de apelos que lhe devolvam a condição da possibilidade de conquistar a integridade ética e moral que, na verdade, define sua dignidade e vivência. Nisso está, incontestavelmente, a explicação dos desmandos que geram abusos de poder e arbitrariedades, comuns desde a família, passando pelas instituições religiosas até as governamentais, todas elas a serviço da vida em comum. Este entendimento explica a gravidade da corrupção que se configura como abominável cultura, do jeito maroto de passar o outro para trás incluindo também outros absurdos, por exemplo, verbas públicas, destinadas à melhoria da condição social dos mais pobres, que são embolsadas e interceptadas no seu percurso, jamais chegando ao devido destino.  
 
Há uma lista grande de inconveniências e descompassos na conduta individual, na configuração social e política que precisam ser iluminadas e interpeladas pelos apelos próprios da Quaresma. Apelos que vêm com o anúncio da Palavra de Deus indicando o medicamento que se toma como escuta amorosa e com atenção redobrada. Essa escuta ilumina o mais íntimo da consciência, faz desabrochar, pelo desejo de conversão, a convicção de que é preciso viver o dia a dia de modo diferente, mais qualificado, humanizado, à altura da dignidade humana e cidadã de cada um. Uma convicção que dá gosto, um percurso saudável, qualificado e frutuoso. 
 
O Papa Bento XVI, na sua rica mensagem quaresmal, referindo-se às tentações narradas pelo evangelista Mateus – Evangelho do primeiro domingo da Quaresma – sublinha que a nossa condição de homens nesta terra é o combate às tentações, a exemplo de Jesus, tomando consciência de nossa própria fragilidade. Bem assim, é preciso ter consciência clara, diz o Papa, de que o diabo é ativo e não se cansa de tentar quem quer se aproximar de Deus. Põe-se o desafio, indica o pontífice, que cada um deve se esforçar para distanciar-se dos boatos da vida cotidiana e imergir na presença de Deus. Acontecimentos, sinais da natureza, a vida, o dia a dia, indicam o quanto é necessário e urgente acolher os apelos da Quaresma.  
 
Dom Walmor Oliveira de Azevedo 
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
 
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