A notícia de que o Brasil tem 13,9 milhões de adultos analfabetos, segundo o Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos, divulgado pela Unesco, é social e politicamente instigadora. O número é muito alto e revela um sério comprometimento da cidadania. Embora não haja lei que obrigue o adulto a estar na escola para superar o grande mal do analfabetismo, é preciso acender uma chama de grande sensibilidade social e política, com força de articulação de instituições governamentais, educacionais, de igrejas e tantas outras entidades, no enfrentamento dessa chaga terrível na sociedade brasileira.
O fato de o Brasil estar entre os dez países do mundo que concentram o maior número de analfabetos deve ferir nossa consciência cidadã. Todos precisam intuir ações que se configurem numa mobilização geral, capitaneada pelas responsabilidades primeiras governamentais, para garantir aos analfabetos um passo adiante na sua condição cidadã. Não se pode descansar diante do atual quadro que perpetua prejuízos. As ações de combate ao analfabetismo têm suas complexidades e exigências de investimentos. Por isso, é preciso disponibilizar recursos profissionais, instalações e métodos para que cidadãos de várias condições e segmentos deem sua contribuição para que, em mutirão, se possa mudar esse cenário comprometedor da cidadania.
Importante sublinhar que existe um agravante no que se refere ao analfabetismo existente no Brasil. Especialistas consideram que o próprio sistema educacional brasileiro forma analfabetos, pessoas com dificuldades de alcançar conquistas e viver a cidadania com liberdade. O analfabetismo das letras incide, para além delas mesmas, na capacidade de compreensão e interpretação da própria realidade. O resultado é uma deficiência na participação social e política, a incapacidade para ajudar a corrigir os rumos da sociedade, monitorar os políticos e fazer nascer a lucidez corajosa para as grandes reformas institucionais. Assim, ignorar esse grave problema é condenar a sociedade a estar enterrada na corrupção, na desigualdade, na injustiça e na convivência pacífica com o mal.
A alfabetização é um passo indispensável para a arte de ler, consequentemente interpretar, discernir e escolher o que deve pautar a vida de cada cidadão. É preciso dar a todos a condição necessária para participar, de maneira cidadã, dos processos de interpretação, entendimento e escolhas que mudam os rumos da sociedade. A contramão disso, o analfabetismo, é um sistema escravocrata que perpetua hegemonias e dominações, privilegiando grupos políticos e empresariais, em detrimento do bem comum e da justiça intocável que deve presidir a sociedade. Portanto, é preciso um mutirão, com velocidade própria, considerando metodologias adequadas, um envolvimento de todos, impelindo particularmente o poder público, para desenhar novos cenários. As igrejas de diferentes confissões, com sua capilaridade, seus espaços, seus membros, podem se aliar às instituições de ensino e, em cooperação com outros segmentos, desenhar um projeto de ação, simples, incidente e com força de mudar este cenário.
Importante é também olhar o conjunto da sociedade e identificar as outras formas de analfabetismo, que ajudam a explicar a atual carência dos processos formais de educação básica eficiente. Ajuda neste exercício escutar o Papa Francisco, quando fala de três males que estão corroendo a contemporaneidade: as misérias moral, material e espiritual. A miséria material é, sem dúvida, consequência das misérias espiritual e moral. A sociedade moderna está padecendo de um completo analfabetismo moral. Tudo é negociado, ameaçado, disputado e dividido. Infelizmente, valem os interesses que atendem demandas do que o Papa Francisco aponta como “idolatria do dinheiro”, levando a qualquer efeito, desde que o próprio interesse seja atendido, muitas vezes até com aparências de religiosidades e de comprometimento político. O analfabetismo moral está conduzindo a humanidade a um nível intolerável de prejuízos, muitos irreversíveis. Ele só será corrigido pela superação da miséria espiritual.
Esse analfabetismo, consequência da miséria espiritual, é o conjunto que reúne ganhos salariais exorbitantes, o consumo desarvorado e doentio, o desejo de poder que negocia tudo e os medos que fazem perder a serenidade na busca pelas correções necessárias. Para superar esses males e, consequentemente, desenvolver a imprescindível sensibilidade social, é preciso caminhar junto com os pobres e sofredores, buscar o caminho da espiritualidade como prática no seguimento de Jesus Cristo. Assim, serão encontradas as dinâmicas para promover atitudes de ruptura e novas escolhas, capazes de efetivamente combater o analfabetismo educacional e, particularmente, o analfabetismo moral. Todo cidadão deve se comprometer no fortalecimento das bases de uma sociedade mais solidária, travando uma grande luta contra todos esses tipos de analfabetismo.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte