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Advento: Sede de Deus

As quatro semanas que precedem a celebração do Natal de Jesus, Salvador do mundo, constituem o tempo do Advento e devem ser vividas cultivando a sede de Deus. No itinerário de preparação para celebrar o Natal, convém, pois, acolher o que diz o salmista ao expressar a sua sede de Deus, como terra sedenta e sem água. A alma suspira por meio dessa sede que precisa ser assumida, reconhecendo em Deus o sentido maior e central das celebrações natalinas. Repete-se sempre o risco de não se conseguir celebrar o Natal como oportunidade de manejar, existencialmente, a sede de Deus, esgotando e resumindo as celebrações às luzes, às ceias e aos enfeites que podem “encher os olhos”, mas não bastam para se conquistar a verdadeira alegria, capaz de emoldurar a vida.  A preparação para se viver o Natal deve promover o reconhecimento da sede de Deus que habita o coração humano. Uma sede que somente pode ser saciada com Aquele que vem, Jesus Salvador.

O Advento, pela liturgia na Igreja Católica, particularmente pela força interpelante da Bíblia, possibilita reconhecer e cultivar a sede de Deus. Não a reconhecer ou não a cultivar afasta o ser humano da realidade, aliena-o, distanciando-o do sentido mais profundo que é essencial ao cotidiano de cada pessoa. Celebrar o Natal restringindo-se às externalidades - luzes, cores, presentes, comidas, bebidas – significa perder a chance de conquistar força essencial ao viver, que pede coragem para superar adversidades e competência para discernir quais rumos dar à própria vida, reconhecendo-a como dom, à luz da oferta que Jesus Salvador faz de si mesmo pela humanidade. A vida que continua superficial é “torrão seco”, não embebido de um sentido maior. O Advento é tempo para tratar essa secura que pode contaminar o terreno da própria alma. Uma aridez que se manifesta nos esgotamentos existenciais, nas disputas por reconhecimentos que atormentam o ser humano e o deixa incapacitado para ajudar na construção de um mundo solidário, com uma sociedade mais justa e fraterna, caracterizada por novos estilos de vida enraizados na amizade social.

Sem a consciência da sede de Deus que habita a interioridade humana não se vence a dolorosa secura espiritual que esvazia o viver e o reduz a superficialidades. E o Natal, nostalgicamente, passa, deixando um vazio existencial que não foi adequadamente tratado. Sem bem viver o tempo do Advento, as emoções e as impressões inerentes à época natalina não encontram seu verdadeiro nascedouro: a sede de Deus. É, pois, tempo de avaliar como anda a sede de Deus na própria interioridade, buscando cultivá-la, para conquistar sabedoria essencial nas escolhas, nas decisões, na gestão de emoções que alicerçam gestos nobres, cotidianamente, inspirando um sentido saboroso que leva o ser humano a viver para servir. Um sentido que suaviza as tempestades das lutas e dos sofrimentos que são inevitáveis.

Cuidar e investir na própria vida espiritual, alicerce da vida diária, é essencial e o Advento constitui tempo propício para se considerar a sede de Deus, a importância da espiritualidade, que é dimensão constitutiva do ser humano, para além de questões socioculturais e políticas. O desafio existencial é admitir que se tem sede de Deus, sem tentar camuflá-la com externalidades que, simplesmente, levam a um vazio existencial.  Aqueles que ignoram a sede constitutiva do ser humano podem cair nas superficialidades, expressas a partir da indiferença em relação ao semelhante, na adoção de discursos pouco edificantes, na tentativa de culpar o próximo pelo próprio fracasso. Ignorar a sede de Deus significa aprisionar a própria liberdade e multiplicar angústias, que podem ser mais incômodas que dores físicas.

Parta-se sempre da certeza de que a sede de Deus existe, é comum a todas as pessoas, e pode ser saciada por Ele, Cristo, que se doa à humanidade. Oportuno advertir que a sede de Deus, não raramente, está obscurecida pelo que impera na sociedade atual: a ilusão promovida pelo consumo, que motiva a busca ilimitada pelo acúmulo de posses. Desejar o encontro com o Senhor, Menino-Deus, é a tarefa pedagógica do tempo do Advento, exercitando mentes e corações. É tempo de desejar ainda mais se encontrar com Deus, que vem ao encontro da humanidade. Ao contrário do desejo de se satisfazer apenas com mimos, comidas e bebidas, este tempo é oportuno para se considerar um mendicante: precisado de Deus e de sua misericórdia, em um movimento interior essencial para bem celebrar o Natal. Trata-se de um cuidado com a própria interioridade para conquistar, no silêncio da contemplação, na busca pelo bem, pela reconciliação, a restauração da própria vida, fazendo-se, sabiamente, um operário da paz.

A sede de Deus cura, é capaz de reformular convicções equivocadas que estavam cristalizadas, debelando aquilo que distancia o ser humano da fraternidade universal e da simplicidade que confere especial sabor ao viver cotidiano. Cultivar a sede de Deus é atitude libertadora em relação à própria fragilidade humana, pois leva ao reconhecimento de pretensões ilusórias, dissipa mágoas e rancores que adoecem, ilumina um horizonte de altruísmos, de delicadezas. Possibilita, pois, reconfigurar o futuro da humanidade, os rumos da própria vida, capacitando-se para acolher a misericórdia que redime, que permite a reconquista da inteireza física, espiritual e moral. Reconheça-se a sede de Deus, que habita cada ser humano. Assim, o Natal não será apenas mais uma celebração. Será singular experiência de um encontro com Aquele que vem, o único Salvador. A vida pode mudar pelo cultivo da sede de Deus, o anseio mais íntimo de todo coração.

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

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